Sem vacina, sem Carnaval, sem R$ 8 bilhões

26/07/2020
Sambódromo Marquês do Sapucaí (Foto: Wilton Junior / Agência Estado)
Sambódromo Marquês do Sapucaí (Foto: Wilton Junior / Agência Estado)
A pandemia provocada pelo novo coronavírus parou o mundo. Os setores de serviços, comércio e indústria foram duramente atingidos, e o reflexo desta paralisação ainda deve ser visto até a aprovação e ampla distribuição de uma potencial vacina contra o Sars-CoV-2.
 

Não diferente, o Carnaval  a maior festividade do Brasil  também sentirá o baque da pandemia. Neste ano, ao menos R$ 8 bilhões foram movimentados durante o carnaval na economia do país. Um aumento de 48% em comparação ao ano anterior e um recorde segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC). Uma maior previsão sobre a movimentação econômica para o setor do turismo em 2021 fica comprometida, já que a OMS declarou a situação de pandemia mundial pelo coronavírus em março, em sequência ao Carnaval no Brasil.

Sem a comercialização de uma vacina que imunize a população, as cidades sedes do evento discutem sobre o cancelamento ou adiamento da festividade. Bahia e Rio de Janeiro ainda não definiram sobre o destino dos desfiles das escolas de samba e dos blocos de rua em 2021. Já em São Paulo, o prefeito Bruno Covas divulgou ontem durante coletiva o adiamento do Carnaval em 2021: em vez de fevereiro, para o final de maio ou começo de julho, descartando assim o cancelamento. Tanto a Liga das Escolas de Samba da capital como representantes de grandes blocos de rua participaram da decisão.

 

Neste ano, 15 milhões de pessoas movimentaram R$ 2,75 bilhões no carnaval de rua na capital paulista. Um benefício econômico de 227 milhões para o município e um crescimento de 31% em relação a 2019 e de 400% se comparado com 2018.

 

Os números levantados no Sambódromo do Anhembi são mais modestos, porém, relevantes: em 2020, R$ 227 milhões foram movimentados, contra R$ 220 milhões em 2019 e R$ 180 milhões em 2018.

Em entrevista à EXAME, o diretor financeiro da Escola de Samba Gaviões da Fiel, André da Silva, afirmou que a escola só entrará na avenida com segurança contra o coronavírus. “Se tivermos a vacina para imunizar a população, é possível viabilizar o evento com público”.  Impedidos de realizar os preparativos dentro do barracão devido a pandemia, a Gaviões segue o planejamento do calendário fazendo todo o trabalho à distância. Uma nova dinâmica está sendo realizada com a frente que envolve a participação dos componentes – no caso a direção de Harmonia – tanto via aplicativos de reuniões como por comunicação online. A execução da parte operacional como a construção de carros alegóricos e fantasias está parada, o que afeta ao menos 200 postos de trabalho.

O impacto financeiro também foi sentido em outras áreas da Gaviões, que por ser uma torcida organizada, recebia ao menos 5 mil pessoas semanalmente em sua quadra, movimentando o caixa da escola com a venda de comidas e bebidas, atividades esportivas, aulas de bateria e produtos da loja oficial. Para aliviar as despesas, os colaboradores foram afastados e os diretores atuam de forma voluntária. Sem patrocinadores fixos, a escola tenta diálogo com empresas, que segundo Silva, “segue difícil”.

Enquanto isso no Rio, a Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA) deixou a decisão para setembro sobre adiar ou cancelar os desfiles do Carnaval. Para os representantes das Escolas de Samba do Grupo Especial, o evento só deve acontecer se as autoridades sanitárias confirmarem o uso de vacina ou medicamento que elimine o perigo de contaminação pela covid-19. “Continuaremos sintonizados com os Governos Federal, Estadual e a Prefeitura do Rio de Janeiro, aguardando instruções oficiais quanto aos procedimentos a serem adotados nos próximos meses” – declarou o presidente da LIESA, Jorge Castanheira.

 

“Sem vacina, sem carnaval. Temos que priorizar a saúde da população”

 

Fernando Fernandes, presidente da Vila Isabel

Até agora, oito escolas do Rio já anunciaram os enredos. A Vila Isabel, que homenageará Martinho da Vila, está com seu barracão fechado e trabalhando em sistema home-office desde o início da pandemia. Em entrevista à EXAME, o presidente da Vila, Fernando Fernandes, foi categórico: “Sem vacina, sem carnaval. Temos que priorizar a saúde da população”. Segundo ele, em um calendário normal, este seria o momento em que a escola estaria na fase de montagem, produzindo o protótipo das fantasias.

Mesmo trabalhando remotamente, algumas etapas já foram concluídas como as plantas dos carros, a sinopse do samba e a criação das fantasias. Há menos de sete meses da data oficial do Carnaval, Fernandes afirma que a Vila Isabel está pronta e estruturada para entrar na avenida se existir uma vacina até lá.

“O que não pode é essa pandemia trazer doença para a comunidade, para os nossos componentes”. Como forma de amenizar o baque no orçamento sentido pelos trabalhadores informais que dependem do carnaval para sobreviver, a Vila Isabel tem ajudado com cestas básicas. As costureiras da escola também se mobilizaram fazendo jalecos e máscaras com material doado ao hospital Rio Saúde. “Essa é a hora de ter união. Não podemos só pensar no carnaval. Agora é hora de se ajudar,” disse. 

 

Por ainda não haver uma definição sobre o Carnaval em 2021, a Prefeitura do Rio vem estudando alternativas para diversos cenários e avançado nas questões que independem da realização do evento. “Sendo o Carnaval um feriado nacional, envolve também outras esferas, e não apenas a municipal, sendo, portanto, uma discussão muito mais ampla, que inclui resultados de estudos científicos e a criação de uma vacina”, disse a Riotur. O uso do transporte público também é motivo de atenção, já que aumenta o volume de uso nos dias de comemoração.

Segundo a Riotur,  a capital carioca movimentou R$ 4 bilhões durante o Carnaval deste ano. Já em 2019, foram R$ 3,78 bilhões, uma alta de 26% em relação a 2018. Considerando os blocos, megablocos, Sapucaí, Intendente Magalhães (carnaval de base para as escolas do grupo de acesso do sambódromo) e os 77 palcos populares distribuídos pela cidade, 10,7 milhões de pessoas participaram dos eventos carnavalescos do Rio em 2020, sendo 2,1 milhões de turistas – 77% brasileiros e 23% vindos do exterior. Um crescimento de 31,2% se comparado com o mesmo período do ano anterior.

Setor Hoteleiro

Cerca de 66 estabelecimentos de hospedagem, entre hotéis, hostels e albergues, estão com operações temporariamente suspensas na capital carioca. Ao mapear uma previsão de retomada do setor de hospedagem,  estudo aponta que a maioria dos empreendimentos apurados, 56,06%, não trabalha com previsão de data; 25,76% pretendem reabrir as portas no mês de agosto; 10,60%, em setembro; 1,50%, em novembro; e 6,08%, em 2021.

A pesquisa registrou também que seis estabelecimentos fecharam definitivamente na cidade. Ainda segundo o setor, os últimos quatro meses acumularam um prejuízo estimado em R$ 720 milhões para a hotelaria carioca por conta da pandemia da covid-19.

 

A pesquisa faz parte do IPH-RJ – Índice de Performance da Hotelaria do Rio de Janeiro, elaborado pelo sindicato, porta-voz oficial da hotelaria e responsável pela divulgação de dados do setor. O setor teve 93% de sua ocupação total no último Carnaval.

Segundo o presidente do Hotéis Rio (Sindicato dos Meios de Hospedagem do Município do Rio de Janeiro), Alfredo Lopes, a pandemia tem causado um prejuízo gigante para o setor, e que a reabertura deve ser avaliada diariamente, já que uma retomada precipitada dos serviços pode ser pior. “Imagina abrir todos os hotéis e em pouco tempo temos um lockdown?”, pondera.

“A retomada deve ser lenta, e deve acontecer com famílias viajando em seus carros até por receio do vírus nos aeroportos; porém, acredito que o mercado nacional irá reagir magistralmente quando conseguir retomar às viagens. O próprio turismo interno irá dar um empurrão. Como o que aconteceu na Argentina”, disse Lopes.

Ainda segundo ele, na questão do Carnaval, um cenário menos ruim seria o adiamento, e que dificilmente as escolas de samba conseguiriam se mobilizar com seus barracões se a data fosse mantida como no calendário oficial.

 

“Não tem como fazer carnaval sem aglomeração, e muito provavelmente será adiado. Este é o maior calendário do Rio de Janeiro. Do Governo Federal ao vendedor de biscoito Globo, todos lucram com a festividade”

 

Alfredo Lopes, Hoteis Rio

Já em São Paulo, o reflexo da pandemia não deve impactar substancialmente o setor hotelerio, apesar de ser esperada uma eventual retração na ocupação se o Carnaval viesse a ser cancelado, afirmou a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do estado de São Paulo (ABIH SP). Durante os feriados prolongados de Carnaval e Réveillon, os destinos turísticos mais procurados no estado de São Paulo são as estâncias turísticas.  A expectativa é que após a pandemia, a maioria dos hotéis do litoral e do interior do estado mantenham a histórica taxa de ocupação (que varia de 90% a 100%) registrada em anos anteriores.

Bahia

Enquanto isso em Salvador, uma das capitais mais tradicionais para o carnaval brasileiro, também há expectativa do adiamento da festa. O prefeito da capital baiana, ACM Neto, disse em recente entrevista coletiva que “se não houver vacina ou clareza em relação à imunidade coletiva até o mês de novembro, então pode ser que a prefeitura não tenha elementos de segurança para manter o carnaval”.

A estimativa é que tanto o comércio como o turismo movimentaram R$ 2.2 bilhões durante o Carnaval desse ano, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo e também do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis da Bahia – ABIH-BA, Luciano Lopes, os cinco dias de Carnaval representam um faturamento de 156 milhões de reais (média dos últimos 3 anos) para o setor, com ocupação de 95% e picos de até 100%. Este valor representa entre 12% e 13% do faturamento do ano, sendo o período mais lucrativo.

Por: Janaina Ribeiro

 

 



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