Entenda o que o Brasil perde e ganha ao entrar oficialmente no ‘clube dos ricos’

20/09/2023
Governo diz que há interesse em integrar o grupo. (Foto: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL )
Governo diz que há interesse em integrar o grupo. (Foto: FABIO RODRIGUES-POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL )
Com o sinal verde concedido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) desde 2022, a adesão do Brasil ao chamado "clube dos ricos" anda a passos lentos. Ao R7, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) afirmou que o acesso do Brasil ao grupo ainda "está sob exame do governo brasileiro, à luz do interesse nacional e das prioridades da política externa do país". No entanto, para especialistas, o tema perdeu prioridade nos primeiros meses do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A OCDE reúne 38 países, entre os mais ricos do mundo. A aproximação do Brasil com a organização começou em 1991 e foi aperfeiçoada por meio da adesão a grupos e comitês nas décadas seguintes. A intenção de ser membro pleno do "clube dos ricos" foi formalizada em 2017, durante o governo Michel Temer, e considerada prioridade da política externa brasileira a partir de 2018, na gestão Jair Bolsonaro.
 
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Oficialmente, o governo Lula diz que há interesse em integrar o organismo. No entanto, as discussões sobre o acordo do Mercosul com a União Europeia e os acordos de cooperação com os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) têm ganhado mais atenção nos últimos meses.

 

Dos 268 instrumentos exigidos pela organização para entrada na OCDE, o Brasil aderiu a 118, restando 150. As regras dizem respeito a diversas áreas, como governança, tributação, educação e meio ambiente.

Vantagens e desvantagens

O Brasil já integra a OCDE como convidado, mas uma adesão brasileira plena à organização iria conferir ao país um selo de viabilidade de investimentos. Outro benefício para o Brasil tem a ver com a possibilidade de o país se tornar uma espécie de avalista junto ao credor no exterior. É o que explica o cientista político e pesquisador da Universidade de Helsinque, na Finlândia, Kleber Carrilho.

"O Brasil ganha uma percepção de país estável economicamente. Isso é bom para os negócios, para as empresas e para a concorrência", afirma. O ingresso na OCDE também pode aumentar as chances de celebração de acordos econômicos com países mais desenvolvidos, além de aperfeiçoar a integração aos mercados internacionais. A adesão facilita esses negócios, porque o país começa a ser visto como um detentor do selo de boas práticas políticas e econômicas.

No entanto, o especialista destaca que há uma contradição entre a entrada do Brasil no grupo e o pensamento ideológico do atual governo. "O grande ponto para a participação ou não do Brasil [na OCDE] é sobre a disposição de o Estado se ausentar da economia. Essa ausência é defendida pelos liberais, mas não é a característica de pensamento econômico do entorno do atual presidente. Talvez, por isso, o ingresso na OCDE não esteja entre as principais preocupações do presidente", afirma.

Apesar de os ministros das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Fazenda, Fernando Haddad, defenderem publicamente a aproximação de países da OCDE, há a preocupação com a interferência da organização no sistema tributário e econômico do governo. Um exemplo é a questão da extinção do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) cobrado sobre o câmbio e cartões de crédito. Com as mudanças, o governo deixaria de arrecadar R$ 19 bilhões até 2029.

Existe uma questão criada no imaginário de que o Brasil estaria rico a partir do momento em que entrasse na OCDE, e muita gente vendeu essa ideia. A questão é que o mundo está passando por uma transformação no jogo de poder. O jogo geopolítico está sendo disputado de uma forma muito intensa neste momento. Então, as estruturas de governança e que reúnem os países também estão se reinventando. É possível que nos próximos anos a própria ONU tenha que passar por uma reformulação.

KLEBER CARRILHO, CIENTISTA POLÍTICO E PESQUISADOR NA UNIVERSIDADE DE HELSINQUE, NA FINLÂNDIA

Na mesma linha, o especialista em direito internacional Bernardo Pablo Sukiennik entende que a entrada do Brasil na OCDE depende basicamente da vontade do governo. Isso porque, embora ainda exista uma centena de requisitos a ser cumpridos, a organização flexibiliza a forma como cada país pode executar as exigências.

“Certamente, pelo lado brasileiro, há menos disposição do atual governo em abrir mão de determinados benefícios em favor do ingresso na OCDE. A gestão Bolsonaro, por exemplo, manifestou que estava disposta a abrir mão de benefícios comerciais e fiscais que o Brasil possui por ser um país em desenvolvimento para ingressar na organização. O governo Lula não abrirá mão disso, então, isso pode fazer com que a negociação avance a passo lento", afirma.

O que vejo como desvantagem é que, nessa negociação, eles exigem adaptações políticas e econômicas que limitam o governo a tomar decisões. Para um país em desenvolvimento como o Brasil, há necessidade que o Estado tenha certa liberdade de poder tomar decisões sem estar tão preso a compromissos que a OCDE exige.

Bernardo Pablo Sukiennik, cientista político e especialista em direito internacional

Sukiennik ainda vê como entrave para o Brasil a falta de capacidade instalada para processar as informações disponibilizadas pela OCDE e que podem ajudar o país no planejamento de políticas públicas.

"A partir do momento em que o Brasil se torna membro, é preciso ter condições de aproveitar tudo o que a OCDE tem para oferecer. Por exemplo, atualmente, há profissionais da área tributária no Departamento Internacional da Receita Federal muito especializados e competentes, mas é um grupo relativamente pequeno que não conseguiria, neste momento, administrar muitos tratados para evitar a bitributação, além dos que o Brasil tem hoje", afirma.

Isso porque cada tratado para evitar que o mesmo imposto seja cobrado duas vezes no comércio internacional exige que exista um gestor, explica o especialista. "Se o Brasil passa dos atuais tratados e passa, abruptamente, a administrar mais tratados, precisaria ter uma equipe instalada para isso. Esse é um exemplo. E há outros exemplos de que nem todos os setores estariam prontos, neste momento, para usufruir do que a OCDE oferece", completa.

Pressão no Congresso

Também há pressão do Congresso Nacional para avançar na discussão do assunto. A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados deve realizar uma audiência pública sobre o tema nas próximas semanas.

O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS), que pediu a audiência na comissão, criticou o que chamou de "falta de interesse do governo brasileiro em avançar nas negociações". Ele também destacou o fato de o governo ter reduzido os cargos da equipe brasileira junto à OCDE em Paris. Duas vagas foram cortadas da missão, que agora tem nove membros.

"Não está clara qual será a prioridade dada pelo novo governo ao processo de entrada na OCDE. Em entrevista recente, após encontro com o chanceler alemão Olaf Scholz, o presidente da República afirmou que o ingresso na OCDE pode interessar ao Brasil, mas que isso vai depender de contrapartidas", disse o deputado.

No último dia 31 de agosto, o Itamaraty instituiu um grupo de trabalho ministerial sobre a OCDE. O objetivo do colegiado é subsidiar as considerações do governo acerca do processo de ingresso na organização.

Hellen Leite, do R7, em Brasília




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