Colunista Antônio Gomes



  • II - Preconceito racial existe - no Brasil é disfarçado

    23/10/2017

    O racismo no Brasil é um legado da colonização portuguesa, primeiramente contra os índios brasileiros e depois, com a chegada dos escravos africanos, a sociedade brasileira dividiu-se em duas porções desiguais, semelhante a um sistema de castas, formada por uma parte branca e livre e outra parte negra e escrava. Mesmo os negros livres não eram considerados cidadãos, pelos colonizadores portugueses e assim sendo, o racismo na época colonial, não era, segundo os historiadores, apenas consuetudinário, visto que, também tinha base legal.

    Na referida época, exigia-se comprovação da “pureza de sangue”, para os ocupantes de cargos e funções no serviço público e inclusive, nas ordens religiosas, onde, para banir os negros e mulatos, era exigida a comprovação da "brancura" dos candidatos a cargos

    Assim, segundo os historiadores, o racismo no Brasil continuou a ser perpetuado pela minoria branca após a independência e até no período republicano, o país continuou tendo a cultura europeia como modelo, fazendo aflorar ainda mais, um sentimento de repulsa aos negros, pardos, mestiços ou crioulos, até porque, a elite política incentivava a vinda de imigrantes europeus, notadamente alemães e italianos, os quais reforçavam o racismo

    Mas, segundo Darcy Ribeiro, apesar de ainda haver resquícios do mito da democracia racial, que propagava que no Brasil não existia racismo ou que ele era menor que no resto do mundo, o preconceito racial resiste até hoje, e de forma intensa, voltado contra negros, mulatos e índios, mas, enfática e principalmente, contra os negros, vez que as atuais classes dominantes brasileiras, ainda "guardam, diante do negro, a mesma atitude de desprezo vil" que seus antepassados escravocratas tinham.

    Atualmente, os pobres e os negros em geral são vistos como culpados de sua própria desgraça, explicada por suas características raciais e não devido à escravidão e à opressão.

    Mas, ainda, segundo Ribeiro, não é só o branco que discrimina o negro no Brasil, o preconceito é assimilado pelos próprios mulatos e até pelos negros que ascendem socialmente, "os quais se somam ao contingente branco para discriminar o negro-massa". E assim, adotam o sistema de cotas, para mais uma vez separar brancos de negros, pobres de ricos e as seitas religiosas.

    Mesmo com as tentativas legais, com a edição e publicação de leis, algumas das quais, com mais de cem anos, relacionadas ao combate do racismo e da discriminação racial, mesmo assim, o preconceito racial no nosso Brasil, existe.

    Vejamos as tentativas dos governantes e legisladores, desde os tempos do regime imperial, até hoje.

    Sancionada há 66 anos atrás, por Getúlio Vargas a Lei 1.390 de 1951 e também conhecida como Lei Afonso Arinos, foi o primeiro código brasileiro a incluir entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceitos de raça ou de cor.

    É era uma legislação avançada para a época vez que previa a igualdade de tratamento e direitos iguais para todos os brasileiros, independentemente da cor da pele. Por exemplo, nenhum estabelecimento comercial pode deixar de atender um cliente ou maltratá-lo pelo preconceito de cor, sendo o agressor e o responsável pelo estabelecimento passível de processo de contravenção.

    Em caso de preconceito racial praticado por um funcionário público, a pena prevista nesta lei é a perda do cargo para o funcionário e dirigente da repartição.

    Mas, verdadeiramente, as primeiras leis que vieram em defesa do povo e contra a discriminação racial, datam da época do regime Imperial, quando se aprovaram em 1871, a Lei do Ventre Livre e posteriormente, em 1888, a Lei que aboliu a Escravidão no Brasil e em 1885, a Lei dos Sexagenários.

    Daí em diante, passou-se a combater, mesmo que timidamente, o racismo no Brasil, entretanto, em virtude da classe beneficiada com as referidas leis, que constituía maioria, mas, como ainda hoje, era e são dominados pela minoria branca, os negros se subjugavam aos patrões, com temor de serem perseguidos, perderem empregos, etc., e não reclamavam seus direitos.

    A Lei Afonso Arinos, somente veio a ser alterada, década e décadas depois, quando se aprovou e pôs-se em vigor a Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985, que Inclui, entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951.

    Essa Lei, publicada no Governo Sarney, ou seja cem anos após a publicação da Lei dos Sexagenários, classificou o racismo como crime inanfiançável com pena de até cinco anos de prisão e multa.

    Por outro lado, a Constituição Federal de 1988 em vigor, no seu art. 5º inciso XLII, estabelece que:

    “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” – “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

    Seguiram-se a Lei 7.716 / 89 – Promulgada pelo presidente José Sarney, com o intuito de dar aplicabilidade à legislação brasileira, e define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

    Por fim, a Lei 12.228 de 2010 – Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.

    Mas, apesar de toda essa legislação e entendimento diversos de legisladores, doutrinadores e defensores dessa ou daquela “Cota”, que no meu modesto entender, já constitui e difunde o racismo, visto que, no momento em que se estabelece critérios distintos para grupos pelos critérios de raça, cor, religião ou etnia outras, já se está discriminando, é fácil concluir-se que o racismo no Brasil, existe em todos os setores.

    Para ilustrar e comprovar esse entendimento, cito como exemplos, fatos ocorridos comigo, praticados por personagens, nem todas as vezes, brancas, mas que açodadamente agiram, tomando como parâmetro, a minha cor, simplesmente, porque sou negro, mas que, quando caiam na real, se desmanchavam em pedidos de “desculpas” e outros atos.

    Vejamos:   

                                                                       

    1 - A OFICIAL E O NEGRO – ESSE CARRO É SEU MESMO?

    Numa quinta-feira à tarde, retornava da cidade de Guarabira, onde fora levar um computador para reparo, na loja da Infortel e depois do posto da Operação Manzuá, em Itamatai, verifiquei que li havia uma blitz policial e, por precaução e sinal de respeito aos policiais do trânsito, diminui a marcha e, já estava parando o veículo, quando um policial, reconhecendo-me, mandou que eu seguisse e assim sendo, não parei o veículo. Mas, estava mais ou menos a uns cem metros desse local, quando ouviu alguém aos gritos, dizendo: Pare esse carro ai! Porque esse engraçadinho não parou lá atrás? Mande ele descer e vir falar comigo. Um policial sinalizou, levei o carro para o acostamento e parei. Antes que ele falasse, disse-lhe que havia escutado os gritos mandando parar o carro. Então ele disse que se tratava de uma Tenente, que comandava aquela blitz. Disse-se que aguardaria ali a presença da Oficial e o policial afastou-se e foi vistoriar o veículo que parara. Ai, começou o problema.

    Oficial aproximou-se do meu carro, aos gritos dizendo: Porque não desceu ainda? Documentos do carro! De quem é esse carro? Desça e abra a mala.

    Tirei do bolso o DUT do carro e entreguei a Oficial. Disse-lhe que o carro era meu.

    E ela, senhora de si, repetiu: desça e abra a mala.

    Respondi-lhe que não tinha mala e que o Porta Mala do veículo, já estava destravada, mas ela insistiu: Eu mandei você descer e abri.

    Já chateado com aquilo, respondi-lhe que não desceria do carro para abri porta malas algum.

    A autoridade sentiu-se ofendida e sem olhar diretamente para mim gritou: “Esse carro é seu mesmo”.

    Confirmei novamente e olhando-a, disse-lhe: Tenente, a senhora está implicando comigo, talvez seja porque sou um homem de cor e para muita gente, negro não pode possuir nada ou seja, tem que viver subjugado aos brancos e a autoridades que agem inconsequentemente, sem saber até, quem é o seu interlocutor.

    Perguntei então, qual era o seu nome. Nesse momento, ela olhou para mim séria, entretanto, sem deixar que ela falasse disse-lhe:

    - “Não foi isso o que lhe ensinaram na Academia de Polícia. Sei que lá você foi orientada a agir de outra maneira, principalmente, em ocasiões de abordagens policiais. Estou lhe tratando por você porque tenho conhecimento de que suas atitudes estão erradas”.

    Ela, baixou um pouco o tom da voz e recuou.

    Disse-lhe, que ela até aquele momento não sabia quem eu era, porque não havia me identificado, não sabia o que eu fazia e de onde eu vinha.

    Disse-lhe que apesar de ser negro, aprendera a tratar bem as pessoas, independentemente de cor, raça ou situação econômica, até porque, era um policial militar inativo e na caserna, havia aprendido que deveria tratar a todos com urbanidade, respeito e igualdade.

    Ai, um policial se aproximou e disse: Superiora, a senhora não conhece Dr. Antonio? Ele é o Juiz de Bananeiras e já trabalhou em todas as comarcas do Brejo. A policial então, baixou a guarda, pediu desculpas e liberou-me.

    A minha cor, mais uma vez servir de motivo para demonstrar a prática de racismo no Brasil, pois, tenho certeza que o que chamou a atenção daquela autoridade, foi um homem de cor, na condução de um carro novo de alto valor, até porque, enquanto ela me obstaculava, diversos carros por ali passaram sem serem parados. Detalhe: Os motoristas eram brancos.

    2 - BORDADO PELO FISCO POR NÃO TER PARADO EM POSTO FISCAL.

    – Certa feita, quando vinha de João Pessoa para Bananeiras, passei por outra situação de vexame, na estrada e pasmem, parado pelo agente do Fisco Estadual. Era mais ou menos, 05:45 da manhã, quando conduzindo meu veículo, passei pelo Posto Fiscal situado na saída de Guarabira para João Pessoa. Naquela hora da manhã, chuviscava um pouco e descontraído, porém, precavidamente, seguia o meu destino, dirigindo o carro. Adentrei na cidade de Guarabira e continuei meu destino, sem nenhuma anormalidade. Após passar pelo DETRAN, pelo retrovisor, avistei ao longe, um único veículo que vinha no mesmo destino que eu e constatei que intermitentemente o condutor cortava luz. Não liguei para o fato, visto ser comum alguns condutores de veículo assim agirem, avisando sobre animais na pista, blitz, etc., mas, como aquele veículo vinha atrás do meu e distante, não entendia porque ele agia assim. E assim o fiz, porque dias antes ocorrera um assalto naquelas proximidades, praticado por pessoas em um carro e na semana anterior, os policiais do Posto da Operação Manzuá situado mais adiante, haviam sido assaltados, por bandidos, cujo carro havia sido abordado por eles, e de onde, inclusive, os armamentos tinha sido levado pelos assaltantes. Continuei minha viagem, porém, fui ultrapassado pelo carro que me seguia e aí constatei tratar-se de uma viatura do Fisco Estadual, cujo passageiro ordenou que parasse o carro. Parei e do interior daquele veículo saiu uma pessoa armada dizendo:

    Ei neguinho, nem parasse no Posto Fiscal? O que levas aí escondido?

    Olhei para o cidadão e pensando tratar-se de uma brincadeira, porque o reconheci, como sendo uma pessoa que servirá ao Exército comigo, o qual, seis meses antes do meu licenciamento, havia chegado, como sargento, oriundo da ESA,

    Abri a porta do carro e sorrindo, desci, perguntando: E aí colega, (chamei-o, por seu nome de guerra) tudo bem? Ele fez que não me conhecia e disse:

    - Colega, uma p. .... Abre a mala do carro para eu ver o que droga tu levas aí dentro?

    Senti que o problema era outro. Que ele estava falando não comigo, mas com o “Neguinho”, como ele chamou e isso, para mim dizia tudo. Um negro, àquela hora da manhã, sozinho, conduzindo um carro, ou era ladrão ou traficante.

    Calmamente disse-lhe que não era necessário abri o porta malas, pois ali havia apenas, mantimentos e vestimentas minhas, além de materiais de expediente.

    Ele não acreditando acariciou a arma e falou: “Deixa de enrolada e abre a mala, quero ver o que tu tens aí”.

    Nesse momento, fechei o semblante para o Guarda Fiscal, lhe falei da importunidade da investida e do motivo alegado, porque, eu não tinha necessidade nem obrigação de parar em Posto Fiscal algum, pois não era comerciante, não era contrabandista e, mesmo que fosse traficante, não via nele autoridade para aquela abordagem.

    Ele disse: Queres ser conduzido preso ou abrir a mala do carro?

    Aí dei uma risada e lhe respondi:

    - Amigo, se você chamar os policiais da Manzuá que estão logo ali atrás, no Posto, verás que a única autoridade aqui que pode dar voz de prisão a você, é esse, como você chamou, “Neguinho” aqui, que não é seu pariceiro, não é traficante, não é contrabandista e o chamou de colega, porque, como sargentos, serviram juntos, por alguns meses, na mesma Unidade Militar e, apesar de negro, é um Juiz de Direito em deslocamento de casa para a sua comarca,

    Disse-lhe ainda:

    Esse mesmo negrinho, além do que já lhe disse, conduz ainda arma de defesa pessoal e, devia prendê-lo em flagrante por racismo, mas vai representa-lo criminalmente, por infringência do art.1º da Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985, que Inclui, entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951 (Lei Afonso Arinos) que estabelece:



    Art. 1º. Constitui contravenção, punida nos termos desta lei, a prática de atos resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil.



    Seguiram-se os pedidos de desculpas de sempre.

    Dias depois, encontrava-me no Fórum de Bananeiras, quando um agente do fisco, aqui da cidade, meu amigo, veio até a mim, na companhia daquele Guarda Fiscal, que o considero racista, dizendo que ele queria falar comigo e eu lhe respondi que não o conhecia, mas como Juiz o receberia. Ele achegou-se lamentou o ocorrido na segunda feira anterior, recordou-se que eu fora militar com ele no 15º RI e novos pedidos de desculpas e apelos para não processá-lo criminalmente, para não prejudicar a sua carreira no Fisco.

    É, pois, mais um relato demonstrativo da existência disfarçada de racismo na sociedade brasileira, a qual aflora e é praticado, principalmente, por servidores públicos, em total desconhecimento de que, radicalmente, na raça brasileira, não há brancos, mas tão somente, pessoas com a tonalidade de pela mais clara do que a de outras. 

     

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado