Colunista Antônio Gomes



  • O MENINO NA PORTEIRA

    19/03/2017

    - Quando ouço a música do Sérgio Reis, “O menino da porreira”, lembro-me de um fato ocorrido há muitos anos, nos idos de 1954, com um menino que conheci no então distrito, hoje município de Sobrado, que fica bem ali, entre Sapé, (de onde foi desmembrado) e Café do Vento. Antes de adentrar na história propriamente dita, é bom relatar, como era Sobrado naquela época. Possuía apenas, duas ruas, ou seja, a rua que, na verdade, representava a única entrada do município e era o único acesso do distrito, por estrada de barro e muito esburacada, com o município de Sapé, onde hoje, no seu final, estão situalizados o Cemitério e o Estádio de Futebol e a rua principal, na qual estavam localizados os pequenos estabelecimentos comerciais, a Delegacia de Polícia e Cadeia Pública, a Igrejinha, uma escola pública e, no final desta rua, tinha uma porteira que dava acesso a uma Fazenda, a qual tinha um Engenho onde se fabricava melaço e rapaduras. Da rua principal, se via a sede da Fazenda e o Engenho.

     

    As crianças, depois das aulas, iam em grupos, para o engenho, onde se deliciavam com o nosso conhecido “puxa-puxa” e, com caldo de cana, que eram dados a eles, pelo gerente do engenho, porque não dizer, pelo Capitão de Campo, como era chamado. O Filho do delegado, sempre tinha um certo prestígio com o pessoal do engenho, na rua maioria, pessoas humildes e muitos dos quais, auxiliado pela esposa do delegado, que era uma senhora muito ligada a pobreza e assim, praticante de boas ações. A casa do delegado era a última daquela rua, de modo que, a cerca de arame farpado, entre a porteira e a casa do delegado, terminava na sua parede lateral esquerda.

     

    Era comum, no início da manhã, ao se abrir a porta de trás da casa, deparar-se com algum gado ali perto deitados ou pastando. Como já disse acima, no final da rua principal, a cerca de 25 metros da casa referida casa da autoridade, havia uma porteira e é justamente do que ocorria nessa porteira que iremos falar. Com o passar do tempo, observou-se que, ao amanhecer dos dias de domingo e da segunda feira, era comum a presença de garotos e garotas, no pé do mourão da porteira, catando alguma coisa. Mas, aquele menino sempre chegava mais cedo e ao que parece, levava vantagem sobre os demais, visto que, quando chegava o grupo de meninos, ele, calmamente, se retirava, como se não tivesse interesse naquela brincadeira. Perguntava-se ao menino o que ele fazia tão cedo ali na Porteira, mas ele sempre dava respostas evasivas, sem quaisquer meios de se decifrar aquele ato. As vezes dizia que fazia aquilo porque ouvia de sua mãe que “Deus ajuda a quem cedo madruga”. Era um dito comum na época, utilizado pelas mães, para incentivar os filhos a acordar cedo e, ir ajuda-las nos trabalhos e/ou para irem para a escola. Não convenciam as respostas daquele menino que amanhecia os dias de domingos e segunda feiras, no pé daquela porteira.

     

    Mas, como “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, outro provérbio popular, num determinado dia o menino não se segurou a pedindo segredo disse que, sua ida ao pé da porteira do engenho, como era conhecida, era porque, naqueles dias, ele sempre achava algumas moedas, caídas do bolso dos cavaleiros que por ali passavam quando retornavam os bailes e bebedeiras na rua. Como a Porteira tinha um ferrolho quase no meio, os vaqueiros e cavaleiros bêbados, quando se vinham embriagados, tinham que se esforçarem para abri-las, e nessa ocasião, as moedas que estavam nos bolsos de suas blusas ou paletós, caiam e, como eles não notavam ou não tinham condições de pegá-las de volta, ali as deixavam e ele, o menino, logo cedinho da manhã seguinte as recolhia.

     

    - Assim, aquele menino, filho de pais pobres e trabalhadores na agricultura, visto que, naquela época o homem do campo, para sobreviver, trabalhava efetivamente na lavoura, como eles dizia, pois, não havia ainda, aposentadoria para agricultor, patrocinado pela Previdência Social, até porque, essa instituição, também, ainda não existia. Passei a ser amigo daquele menino e a pedir a meus pais, ajuda para ele e para sua família. Aquele menino, não frequentava escola e em razão disso, passei a ensiná-lo a assinar o nome e comigo, aprender a ler as Revistas em Quadrinhos que mensalmente, eu as adquiria, quando meu pai vinha a João Pessoa.

     

    Mas retomando a história da porteira, torna-se necessário, se contar que, naquela época, o transporte do homem do campo, era feito em animais de sela ou em carros de bois. Porém, no final de semana o programa era ir aos bailes, hoje forró, dançar e beber, mas o patrão não permitia que usassem carros de bois, fora do serviço e assim, a ostentação era selar os seus animais e ir para aquelas festas e lá se embebedavam e, no final do baile, montados, eram conduzidos por seus animais para casa. Digo conduzido, na expressão da palavra, pois, muitas vezes, só chegavam em casa porque aquele animal, já conhecia o caminho. Muitas vezes, chegavam ao pé da porteira num estado de bebedeira avançado e ali, ficavam tentando abrir a porteira, ocasião em que, deixavam as moedas que caiam, para o menino recolher no dia seguinte. Outras vezes ficava na porteira até que alguém, a abrisse, para que o animais lhe levasse para casa. Vi muitas vezes, alguns deles caírem no momento em que iam abrir a porteira e me divertia com o trabalho que eles tinham para montar novamente.

     

    - Enquanto residi em Sobrado, num período não superior a dois anos, acompanhei a vivência e a labuta semanal daquele menino na porteira, recolhendo as moedas deixadas pelos bêbados quando abriam a porteira.

    - Depois, que sai dali, nada mais soube da vida dele, até o ano de 1965, quando ingressei nos quadros da Polícia Miliar, o encontrei já incorporado, na condição de sargento.

     

    - Nos nossos esporádicos encontros, visto que ele não gostava de viver na caserna, dando preferência a viver em destacamentos, rememorávamos o nosso tempo de criança, e as peripécias que fazíamos, fugindo às vezes da vista de nossos pais, para tomarmos banho no rio que margeava o distrito e as idas e vindas ao Engenho de Rapadura. Recordávamos do dia em que dois grupos de ciganos rivais se encontraram dentro do cercado da Fazenda e ali houve uma grande troca de tiros entre eles e ríamos quando nos lembrava do soldado Zé Alves, que na hora dos disparos, teve uma crise nervosa e caiu desmaiado atrás da porta da delegacia, deixando os companheiros em situação difícil, sem conseguir abrir aquela porta, para pegarem seus armamentos. Nesses momentos, ainda que fardado, via-se ali refletido, aquele antigo “Menino na Porteira”. 

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado