Colunista Antônio Gomes



  • O ingresso na vida militar e consequências da missão

    15/06/2016

    Minha vida militar, iniciou-se no mês de março de 1962, quando incorporei-me ao Exército Brasileiro, indo servir na 3ª Companhia de Fuzileiros, do então, 15º Regimento de Infantaria, integrante da 7ª Região Militar e 7ª Divisão de Infantaria. Foi na caserna que aprendi que o subordinado, (soldado), mesmo recruta, deve conhecer pessoalmente e pelo nome, seus superiores imediatos, quais sejam: Comandante e Subcomandante da Unidade, Oficiais superiores, chefes de seções, seu comandante de Companhia e oficiais subalternos da subunidade.

    Assim é descobri que a Unidade a que servia, era comandada pelo Coronel Ednardo D´Ávila Melo, que tinha como sub comandante o Ten.-Cel. Rubens Pereira de Araújo e que a minha companhia tinha por comandante o Cap. Flávio Américo dos Reis e seus oficiais subalternos eram o 1º Ten. Leitão e os 2º Ten. Falcão e Barbosa. Estava, pois, já devidamente adaptado as atividades do referido Regimento, quando após o período do curso, fui promovido a Cabo e nessa condição inclui-me no meio dos graduados. Como graduados, na companhia, além de mim, havia mais cinco cabos, além de um sub-ten. e quatro sargentos. Assim, fui me adaptando e aperfeiçoando-me na vida militar.

    Uma das coisas que observava era que, no final da tarde, com os militares em forma, o Capitão Comandante, fazia uma explanação e nos advertia de que a situação do Brasil não andava e que a política governista era nociva a sociedade, temendo-se a qualquer momento, um golpe de Estado, por parte do governo que se instalara após a renúncia do Pres. Jânio Quadros. Essas explanações, ocorreram durante todo o restante daquele ano, secundadas, inclusive, com manobras militares e longa marchas diurnas e noturnas. Dizia-se que aquela era a Companhia de Choque do Regimento. Como se vê, sem muito estardalhaços, fomos sendo preparados para um movimento de sublevação da ordem pública.

    No segundo semestre daquele ano, não lembro-me do dia, eu que, não estando de serviço de guarda, sempre pernoitava em casa, na cidade de Santa Rita, numa terça-feira ao chegar no RI, surpreendi-me, com muitos veículos militares e Ônibus de repartições públicas, (DNER) e requisitados (Viação Bonfim), parados no pátio interno da Unidade. Segui para a minha subunidade e lá chegando, já encontrei a maioria dos colegas, praças e graduados, preparados e logo, procurei mim preparar e entrar em forma com os demais integrantes da tropa, todos com seus materiais e armamentos, prontos, como se diz na gíria, para o combate. Pensei tratar-se de mais um treinamento da tropa, mas, meu pensamento logo se materializou-se, quando o Coronel Comandante do Regimento, se fez presente na companhia e determinou ao Capitão que mandasse distribuir “Ração Fria”, aos militares e após, os preparasse para o embarque, conduzindo-os até o pátio onde as viaturas aguardavam.

    Assim, a todos os 110 integrantes da companhia, foi entregue a denominada ração fria, que nada mais era do que alimentos secos e enlatados. Nessa hora, o Comandante do Regimento, deu ciência a tropa de que iriamos nos deslocar para a cidade de Natal, Rio Grande do Norte, onde deveríamos manter a segurança e ordem pública, em face do motim deflagrado pela Polícia Militar local, que haviam seus componentes se desarmados e se recolhidos ao Quartel e, apesar de existir no Estado o 16º RI, o Comando Militar do Nordeste, havia decidido, por serem isentos e não possuírem familiares entres os amotinados, que a segurança seria feita pela tropa do 15º RI, através de sua companhia de choque, que era justamente, a 3ª Companhia.

    Eu confesso que tremi na base, visto que, até a incorporação fora apenas, estudante e, voluntariamente forçado, tornara-me Soldado, depois Cabo do Exército, e agora, estava prestes ao sair do Estado, para ir envolver-se em brigas dos outros. Pensava no que aconteceria a nós, se os policiais sublevados se negassem a nos entregar o arsenal deles e, inclusive, desocuparem o Quartel do Comando Geral, onde eles se encontravam. Temia e tinha medo que houvesse troca de tiros e algum de nós, saíssem feridos ou mortos. Era o medo normal dos jovens militares que prestavam o serviço militar inicial, naquela companhia e naquela época. Medo de morrer, isso sim que é verdade.

    Dessa aventura, vale destacar que, durante a viagem alguns apressados comeram suas cotas da ração fria e, o vexame foi desastrosos, visto que, muitos deles, tiveram infecção intestinal e o resultado não podia ser outro, senão, uma disenteria geral, havendo alguns que ao chegar em Natal, foram baixados a enfermaria do 16º RI, ali sediado. Felizmente, quando desembarcamos em Natal, o nosso comandante de Companhia, foi informado que os policiais sublevados, havia todos, recolhidos os armamentos e munições ao depósito de munições da Policia Militar e se encontrava, no Quartel, aguardando ordens e o Comandante do RI local, por determinação da Região Militar, havia assumido o Comando e a situação era de calmaria, sendo desnecessária o emprego do contingente paraibano. Foi um alívio geral.

    No dia seguinte, regressou a tropa para a sua Unidade de origem, na Capital deste Estado, com sua missão cumprida. Naquele mesmo dia, na formatura da companhia, no final da tarde, o Cap. Comandante, citando como exemplo o deslocamento de Natal, retomou as admoestações que fazia, diariamente, sobre a situação institucional e política do Brasil, chegando a afirmar, certa vez, que era mineiro, filho de oficial general, mas que estava ali, pagando castigo, por problemas surgidos, quando tenente, na Unidade em que servia, no seu Estado Natal. Não sabíamos, por ser jovens e alguns despreparados intelectualmente, que aquele oficial, estava prevendo um movimento revolucionário muito próximo.

    Passou o regimento a viver dias de sobressaltos, com muitos dias de prontidões e alertas, em como, realizações de exercícios táticos e práticos sobre combate e guerrilha urbana. Lembro-me que determinada noite, houve um boicote energético, e, patrulhas militares saíram as ruas, com o fim determinado de garantir a integridade das sub estações de energias elétricas da Chesf (no bairro de Jaguaribe e em Várzea Nova) e da Estatal Estadual, (na Ilha do Bispo e na Epitácio Pessoa), em João Pessoa. Aquilo, foi para nós jovens militares, um prenúncio do que sem sabermos, estava para acontecer.

    Chegamos, pois, ao Movimento Revolucionário de 31 de março de 1964, hoje tão censurado e criticado, mas, na época, necessário), quando as forças armadas se levantaram em defesa da república e do regime democrático. Encontrava-me, dormindo na residência de meus pais, na Rua Santo Antonio no Bairro Popular, em Santa Rita, com quem residia, na noite de 30 de março de 1964, quando, pela madrugada, minha saudosa mãe, ouvindo as transmissões Radiofônica, me despertava e dizia: “Meu filho, a situação política do Brasil está tão ruim, que há muitas horas, ouço o rádio falado que vai haver um golpe ou coisa parecida.”. Respondi-lhe, que ela estava impressionada com propagandas subversivas radiofônicas, mas que nada daquilo era verdade e que ela fosse dormir, que o Brasil estava em paz. E, naquela mesma noite, cerca de meia hora após o aviso de minha mãe, uma sirene, tocou na frente da residência e, de logo, verifiquei que trata-se de uma viatura “jipe” do RI, que estava recolhendo os militares que não pernoitaram no quartel, o qual, havia entrado em regime de rigorosa prontidão.

    Assim, sem querer, participei do Movimento Revolucionário de 1964, com incursões neste Estado nos municípios de (Santa Rita, Lucena, Cruz do Espírito Santa, Sapé, Mari, Serraria, Arara, Itabaiana, Pilar, etc.) e nos Estados de Pernambuco (cidades de Quipapá, Garanhuns, Paulista) e Palmeira dos Índios, no Estado de Alagoas.

    Hoje, ao relembrar os ditosos dias vividos no 15º Regimento de Infantaria, ainda me emociono com saudades dos meus dos companheiros de farda notadamente os mais chegados, que comigo vinham diariamente para Santa Rita, como “Lima”, “José Inácio”, “Higino”, “João Inácio”, “Cardoso” e “Fernandes”, entre outros, cada um com sua característica pessoal, uns alegres e comunicativos, outros sóbrios e calados, uns voltados para o esportes, outros só pensando na parte laboral, vez que eram filhos de agricultores e como tal, também agricultores, uns dirigidos para o intelectual, uns violentos, sempre dispostos a uma bragazinha, na “Maciel Pinheiro”, em João Pessoa ou no “Cabaré” em Santa Rita e às vezes até, na balaustrada da Rua das Trincheiras, perto da Escola Industrial e Técnica, no pátio da antiga feira de Jaguaribe. Havia ainda, uns namoradores, chegados a compromissos sérios e outros como eu, apenas por divertimento ou aventura, só para mostrar que éramos machos.

    Por não aceitar em ser transferido para o efetivo do 20 BC, em Alagoas, requeri baixa do Exército, sendo licenciado em outubro de 1964. Encerrava-se assim um dos ciclos mais evolutivos da minha vida militar nas fileiras do Exército Brasileiro, cujos reflexos foram se projetando durante muitos anos e em particular, durante o Movimento Militar de 31 de março de 1964. 

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado