Colunista Antônio Gomes



  • O que sofre um magistrado no interior – Censura por levar a Justiça para perto do povo

    06/06/2016

    Dedicado exclusivamente ao exercício da profissão, como magistrado interiorano, sempre procurei manter os processos de minha Comarca em dia, para que os prazos legais, fossem, quase sempre, obedecidos. Com esse objetivo, participava de todos os eventos promovidos pelo Tribunal de Justiça, pela Corregedoria Geral e pela Associação dos Magistrados, nos eventos destinados ao aperfeiçoamento dos Juízes e dos trabalhos forenses.

    Em um desses eventos, o palestrante foi um magistrado gaúcho, se não me engano, de nome Sidney Bennety, que versava sob o tema, “A Descentralização da Justiça”, palestra que após proferida, recebeu elogios de todos os membros da Mesa Diretora, inclusive e efusivamente, do Corregedor Geral da Justiça que, naquela oportunidade, incentivava os magistrados a adotar os métodos do referido tema e, como corolário, distribuiu-se para o magistrado, um exemplar do Livro publicado pelo referido magistrado, no qual, estavam demonstrados à miúde, todas as orientações necessárias e modelos de métodos a serem aplicados na descentralização da Justiça.

    Como titular da Comarca, composta por mais dois municípios, vi no método, uma maneira de aprimorar meus serviços e, ciente e preocupado com o grande número de audiência adiadas, em virtude do não comparecimento das partes e constatando após estudo realizados, que o fenômeno ocorria devido a dificuldade que tinham as partes e testemunhas, que residiam nos municípios de Dona Inês e Borborema em se deslocarem para a sede da Comarca, em face da inexistência de linha regular de transportes entre essas cidades e a sede e que para comparecerem a audiência, necessitavam que as prefeituras dispusessem veículos para os deslocamento, em comum acordo com o Promotor de Justiça e o então Advogado de Ofício, consegui com os prefeitos dos respectivos municípios (Dona Inês e Borborema), dependências em um prédio público, para instalar uma “Sala de Audiência”. Conseguido o objetivo, resolvi, como Diretor do Fórum, descentralizar os trabalhos judiciais da Comarca, designando e indo quinzenalmente, as referidas cidades, realizar audiências processuais, pondo, com essa atitude, fim aos adiamentos de audiências das partes ali residentes. O outro objetivo dessa providencia descentralizadora era “levar a Justiça para mais perto do povo”, ao invés de esperar que o povo viesse a ela e, acima de tudo, tirar o Juiz do Gabinete e leva-lo ao encontro desse mesmo povo, para que saíssem deles, a figura do Juiz caricato, daquela pessoa que a população não podia se aproximar, do homem inatingível, em resumo, tornar o Juiz, um integrante da sociedade local, como um ser humano normal e igual aos outros, dentro dos limites da Lei.

    Assim, pouco tempo depois, era comum ao chegar as referidas cidades, encontrar os recintos, cheios de pessoas, muitas das quais, ali se encontravam, apenas para saudar o magistrado e ter o prazer de poder dizer “Eu falei agorinha com o Juiz”. Mas, como nem tudo são flores na vida, certo dia, encontrava-me realizando audiência no município de Dona Inês, quando chegou um advogado de uma das partes e disse-me: “Dr. Estou vindo de uma audiência em Caiçara e lá, se encontra fazendo uma inspeção o Desembargador (“”””), Corregedor Geral da Justiça, com o qual, falei e quando lhe disse que vinha fazer uma audiência aqui, ele afirmou que iria instalar um Processo Administrativo e sugerir ao Conselho da Magistratura uma punição ao senhor, por estar realizado audiência fora da Comarca e acrescentando que o Juiz não tinha o direito de tomar tal decisão, porque audiência só deve ser feita no Fórum e não em outra dependência”. Tomei conhecimento do fato e confesso, fiquei decepcionado, porque fora justamente a pessoa que ao termino da palestra acima citada, tinha feitos abertos elogios e recomendações em favor da descentralização da Justiça. E, não ficou só nisso.

    Com efeito, na semana seguinte, recebi a visita de um Juiz auxiliar da Corregedoria, que, sem conversar comigo, ao chegar a Comarca, dirigiu-se a um dos Cartório (na época havia dois cartórios na Comarca), e solicitou os processos de audiências realizadas em Borborema e Dona Inês, para verificar erros ou alguma outra irregularidade, que servisse para instruir o Procedimento Administrativo que se pretendia instaurar. Estranhei a atitude do então colega, mesmo sendo ele corregedor, no entendimento de que, ela ao chegar a qualquer comarca, deveria primeiramente, comunicar-se ou ao menos saudar o Juiz Titular, isto porque, como ex-militar, aprenderá que ao se chegar em qualquer local, deveria se procurar a autoridade mais graduada e apresentar-se a ela, mas o Juiz Auxiliar, fizeram justamente o contrário, talvez até, porque veio dirigido e orientado a prejudicar o Juiz, porque descentralizara os serviços.

    Ciente do fato, aguardei na Sala de Audiência o “ilustre”, Juiz Auxiliar e, no momento em que este adentrou na Sala, determinei ao Oficial de Justiça que informasse ao mesmo que ali se realizava uma audiência com segredo de Justiça e, como ele não era parte, se retirasse que o receberia ao término da audiência. No final da audiência, isto depois de duas horas, recebi, “efusivamente” o magistrado auxiliar da Corregedoria, o qual, informou-se que havia dado provimento em um dos processos e que eu deveria tomar conhecimento, até porque, estava levando o relatório para o Corregedor Geral. Procurei ler, depois o provimento e abrindo o processo ali estava escrito: “O juiz inovou no processo, não realizando audiência fora da dependência do fórum, mas, sim, numa sala de audiência instalada por ele, sem autorização do Tribunal, porém, dentro da Comarca, num município integrante desta”. Defendi-me no procedimento, alegando que não haver descumprido a legislação, visto que, esta autorização a realização de audiência na sede da Comarca, porém, havia tomado aquela decisão descentralizadora, justamente, baseando-me na orientação dada pelo “digno” Desembargador Corregedor Geral, quando da palestra promovida no auditório do Tribunal do Júri”, na época e onde hoje funciona o “Pleno do Tribunal de Justiça”. Disse mais, algumas verdades e conclui-se por afirmar que já chegará a hora do Juiz sair da redoma e ir ao encontro dos jurisdicionados e citei uma frase do Des. Almir Fonseca, quando da minha posse no cargo: “A justiça é do povo e para o povo, de modo que o juiz não pode se trancar num gabinete para esconder-se desse mesmo povo”.

    Esses fatos ocorreram nos idos de 1993/94, mas, anos depois, este magistrado teve reconhecido, pelo pleno do Tribunal de Justiça, os seus esforços, depois de elogios feitos a nossa atuação, pelos Desembargadores Miguel Levino, Simeão Cananeia, Antonio de Pádua Montenegro, Almir Fonseca, e na atualidade, Marcio Murilo, Saulo Benevides, Romero Marcelo, Arnóbio Teodósio, entre outros, os quais defenderam a tese de que o Juiz agira correto, levando à Justiça ao Povo. Sei que não fui o único, pois, algum outro colega, deve ter sofrido coisa parecida, por discordar do então formalismo adotado por alguns que teimavam em permanecer distante do povo, não sei se com medo ou com o propósito de fazer-se respeitar pelo terror.

    É assim que sofre um magistrado no interior. – censura por levar a justiça para perto do povo. 

     

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado