Colunista Antônio Gomes



  • O que sofre um magistrado no interior – Ter coragem na marra

    31/05/2016

    Poucos sabem, salvo os que exercem essa função, os perigos e os sofrimentos de um magistrado titular de Comarca do interior. Para muitos, o juiz tem uma vida garantida, segura, sem sobressaltos, sem ameaças e que ele tem proteção extras, mas tudo não passa de ledo engano.

    Como Juiz no interior, passei por momentos difíceis, notadamente, na Comarca de Bananeiras, onde, assumi em 1987, em plena efervescência dos movimentos de invasões e tomadas na marra, de propriedades, por grupos organizado, formado na sua maioria, por não agricultores, ou melhor, muitos professores universitários de outros Estado, que se passando por aqueles, mas, organizados por “Movimentos e intenções outras”, se infiltravam entre os agricultores locais e os induziam a invadir propriedades produtivas, com o fim de vê-las desapropriadas e posteriormente, abandonadas, visto que, após o ato expropriatório, aquele imóvel deixava de ser importante para aqueles “novatos” e, assim, partiam para outras invasões.

    Em 1988, na Comarca de Bananeiras, ocorreram invasões em três propriedades no município de Dona Inês e em cinco propriedades do município de Bananeiras, lideradas por movimentos dirigidos, na época, por uma denominada “Pastoral da Terra”, que aqui, recebia o apoio de alguns religiosos estrangeiros, dos quais, reservo-me no direito de ocultar os nomes, até porque, já decorreram muitos anos e hoje, as Pastorais, tem e dão outras orientações aos agricultores e não só, para invadir propriedades. E, em tudo isso, quem sempre se envolve, mesmo sendo a figura que menos aparece é o Juiz de Direito e, no meu caso, como titular da Comarca, tomei medidas pesadas, para que o direito de propriedade e o uso desta, fosse, como diz a Constituição Brasileira, garantidos.

    Tomando conhecimento de uma invasão numa propriedade no município de Dona Inês, no final da tarde, para lá mim dirigi e, já ao anoitecer, adentrei na mesma, onde o vai e vem era grande, com armações de tendas, grandes caldeirões de comidas no fogo, muito forró e cachaça à vontade, para todos. Observei tudo e, como sou negro e durante a noite, passei desapercebido entre os invasores e, no regresso, já havia tomado a decisão de mandar desocupar o imóvel, porque ali, havia poucas pessoas residentes no município, eis outro motivo, porque não me reconheceram, visto que, quinzenalmente, eu realizava audiências naquela cidade, sendo, assim, conhecido da maioria dos habitantes do município.

    No dia seguinte, no início do expediente forenses, recebo a visita do proprietário do imóvel, que vinha a Juízo, juntamente com seu advogado, comunicar a invasão e ajuizar um pedido de reintegração de posse. Pediu-se que visitasse o imóvel para ver como estavam as coisas, e, surpreendeu-se, quando lhe contei o que vi ali, na noite anterior e ele indagou-me, se eu não tinha juízo, em ter ido, sozinho e de noite, naquele imóvel. Ajuizado e recebido o pedido de reintegração de posse, deferir a liminar, e requisitem força policial necessária ao cumprimento da decisão reintegratória, com a retirada os invasores da propriedade e entrega da mesma ao proprietário, o que foi cumprido pelo oficial de justiça, Paulo Primo, de saudosa memória.

    Pois, bem, essa decisão valeu-me um dos maiores desassossegos de minha vida, eis que, passei a receber correspondência anônimas, pelo correio, com ameaças de morte, contra mim e, contra meus familiares, forçando-me a transferir minha mulher e filhos, para residir em João Pessoa e o fiz, sem dizer-lhe o porquê, para não deixá-los preocupados. Censurado por um determinado Corregedor, sob o entendimento de que eu assim fazendo, não estava residindo na Comarca, fiz saber a S. Exa., que, quem era pago para correr risco de vida era a minha pessoa e não a de meus familiares.

    O Presidente do Tribunal, ciente do fato e conhecedor do problema, porque já exercera judicatura no interior, prometeu tomar providências, mas, ficou só na promessa. Um ano depois, quando da instalação da 2ª Vara de Guarabira, atendendo a convocação, para lá me desloquei e, quando aproximei-me no lugar denominado “Ladeira de Pedra”, ao longe, avistei um cidadão próximo a um Bambuzal parado e escorado numa moto e qual não foi a minha surpresa, ao me aproximar do local e vê aquele individuo sacar uma arma e apontar para o carro que eu dirigia, que por sinal, não era o meu, mas o de um advogado de Bananeiras, visto que o meu estava na revisão. Fiquei apavorado e procurei imprimir maior velocidade ao veículo e, com isso, adentrei na lateral da estrada e, quase virei o carro e, quando pensei que seria atingido, o indivíduo montou na moto e evadiu-se.

    Até hoje, tenho em mente que aquele individuo estava alí, a minha espera e sua intenção era provocar minha morte, por acidente. Mas, como ele sabia que naquele carro quem estava era eu. Pensei muito e conversando com o advogado, dono do carro, na época, advogado de ofício na Comarca, concluímos que, somente uma pessoa, poderia ter organizado aquilo, pois, fora a única que ouvira a nossa conversa com relação ao empréstimo do veículo. Desta vez, o então Presidente do Tribunal, Des. Miguel Levino, exigiu do Governador que um policial fosse posto à disposição do fórum, para dar garantias ao Juiz. Pouco, sabem, mas nessa época, foi posto um policial militar à disposição do Fórum e quatro policiais civis, que se revezavam em dupla, para garantir a residência do magistrado durante a noite.

    Certa noite, recebi um telefonema, também anônimo, no qual, alguém se dizia do “Comando Vermelho” e que viria conversar comigo, porque, aqueles invasores eram do grupo e eu havia botado a polícia em cima dele. Respondi-lhe que eu era do “Comando azul” e que se eles quisessem conversar, estava as ordens, porque, só temia a covardia. Por isso, essa segurança policial na casa, durou pouco mais de duas semanas, pois, pedir que a mesma fosse suspensa, para não demonstrar fraqueza da parte do magistrado, visto que, esse fato, poderia ser de motivos para continuarem as ameaças. Entendi que tinha medo, mas não poderia demonstrar para a sociedade, principalmente para esses inimigos anônimos, que eu estava com medo. Tinha que ser forte e demonstrar coragem, na marra. Essa é, uma pequena amostra do que sofre um magistrado no interior

     

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado