Colunista Antônio Gomes



  • CABACEIRAS - PRIMEIRA COMARCA – ATOS E FATOS

    21/05/2016

     Vou voltar mais uma vez ao tema, “O COMEÇO DA MISSÃO”, para historiar, fatos e casos, ocorridos na minha primeira Comarca - CABACEIRAS - Nomeado para a Comarca de Cabaceiras, houve uma aula preparatória, com palestras do Presidente do TJ, Presidente do TRE e do Corregedor Geral, após o compromisso de praxe no Tribunal de Justiça, corri para casa, para tentar descobri onde ficaria esta cidade, visto que, nascido na capital e vivendo sempre no litoral, não conhecia nada de outra região, até porque, a região do Cariri, conhecia apenas, através das aulas de geografia local, ensinadas no então curso primário, eis que, no secundário, se estudava através do Mapa Mundi (será que alguém, fora eu, ainda se lembre disto).

    Pois bem, descobri através do Mapa do Estado da Paraíba, onde se localizava o município e Comarca de Cabaceiras, restando, tão somente, saber como chegaria ali, visto que, consultando os Órgãos, constatei a inexistência de linha normal de ônibus, para a referida cidade e assim sendo, teria que ir mesmo, no meu automóvel. Seguiu até o trevo antes da cidade de Campina Grande e ai sendo, procurei saber de um policial militar que ali se encontrava, como poderia ir a cidade de Cabaceiras. Esse policial, disse-me que estava indo para a cidade de Queimadas e como teria que passar por lá, pediu-me uma carona a qual concordei sem pestanejar e, durante o percurso, disse-lhe que havia sido nomeado Juiz daquela Comarca e que estava indo assumir, entretanto, não sabia nem mesmo, como chegar a cidade. Quando chegamos em Queimadas, o policial, que agora eu sabia chamar-se “Soldado Elias”, disse-me apontando para o destino. “O senhor vai por esta estrada, até a cidade de Boqueirão, e lá chegando, no final da rua, onde termina o asfalto, pegue a direito e siga pela estrada de barro, sem se desviar, que o senhor chega a Cabaceiras”. E assim eu fiz.

    Cheguei a Cabaceiras, perto das 09:00 horas, fui ao Cartório, apresentei-me a Escrivã e logo depois, fui para o Fórum. Procurei saber da pauta de audiência, e, para surpresa minha, havia uma marcada para as 10:00 horas, que era uma audiência de Usucapião, de uma propriedade em litígio que havia sido negociada por uma Imobiliária de João Pessoa, em cuja instrução, havia sido deferido pelo meu antecessor, provas periciais e testemunhais. Finda a instrução, onde foram ouvidas oito testemunhas e as partes), os advogados pediram para apresentarem razões finais em memoriais escritos, justamente o que eu estava torcendo, vez que, não sabia como decidir na audiência. Foi o meu batismo de fogo.

    O Fórum de Cabaceiras, na época, era muito seguro, visto que, funcionava no primeiro andar, onde inclusive, havia um apartamento para o Juiz, no térreo funcionavam a Delegacia de Polícia (sede do destacamento policial) e a Coletoria Estadual. Nos dias seguintes, passei a observar a cidade e constatei que, havia uma agência do Banco do Brasil, uma Churrascaria. Uma Cooperativa, que servia de entreposto comercial (supermercado) e a efetiva inexistência de linha regular de ônibus, visto que, a cidade era atendida por um ônibus, nas segundas feiras, pela manhã e nas sextas feiras, no final da tarde. Na cidade, havia afora o meu, mais ou menos, seis carros particulares, vez que o transporte de passageiros para Campina Grande, era feito através de uma Caminhonete, que lá, fazia ponto nas “buninas”. Na cidade existia um Posto Telefônico, porém, não havia posto de combustíveis, sendo estes negociados por particulares, em tambores.

    Mas, voltando a minha estreia na Comarca, tive que mim submeter a mais uma prova de fogo. É que, eu que sou natural de João Pessoa, vivendo perto do mar, quando chequei no Cariri, me senti um peixe fora d‘água. Sozinho, sem conhecer cariri e o sertão, repito, pois, apesar de ser policial militar, também sempre trabalhei no Quartel do Comando Geral, nos primeiros dias, comi o pão que o diabo amassou (pois ele deve ser um padeiro muito ruim). Mas, como vinha de baixo e vivia no meio do povão, a noitinha, sentei-me numa praça que existe quase em frente ao fórum. Pouco depois, sentou-se um rapaz perto de mim e inesperadamente, indagou: Ei moreno, você é juiz mesmo ou está tapeando a gente? Mesmo surpreso, respondi que efetivamente era juiz de direito e estava na titularidade daquela comarca. Ele pensou e indagou novamente: O que é comarca? Respondi dizendo que era a área de jurisdição da justiça num determinado lugar. Ele ainda perguntou onde eu morava e se João Pessoa era maior do que Cabaceiras. Quando respondi que João Pessoa era maior, ele disse: Danou-se, com essa doidice toda, acho que você é juiz mesmo. Aí, levantou-se e saiu dizendo: "Pessoal, o neguinho é juiz mesmo". Só então, apareceu um cidadão que tinha uma mercearia vizinho ao Fórum, chamado Edvaldo, é me disse que aquele rapaz era louco. Resultado, sem querer, passei no teste do doido.

    De outra feita, estava novamente sentado na praça, quando chegou um cidadão bem vestido, que sem a apresentar, perguntou: Moreno, você é daqui? E antes que lhe respondesse indagou? Onde é o Cartório? O Juiz de acha na cidade? Respondi-lhe, indicando onde se localizava o Cartório e que o Juiz se encontrava na cidade. Sem ao menos agradecer, ele afastou, dirigindo-se ao Cartório. Ali fiquei a conversar, indo depois para a Churrascaria e depois do almoço, fui para o Fórum, pois tinha audiência marcada para as 14:00 horas. Na hora aprazada, chegou a Escrivã na companhia daquele senhor, o apresentando como advogado pernambucano e me apresentando como sendo o Juiz da Comarca. Aí o cidadão caiu na real e pediu-me desculpas pelo modo como havia se apresentado, acrescentando que, jamais esperava encontrar o juiz sentado na praça, visto que, no seu Estado, os juízes ficam longe do povo e só atendiam a advogados. Então contou para a Escrivã o diálogo que tivera comigo na praça.

    Outros fatos e atos, aconteceram durante a minha estada na referida Comarca, podendo merecer destaque o ofício que dirigi ao Ministro da Minas e Energias, informando que em pleno século de desenvolvimento, era Juiz de Direito de uma Comarca, onde, naquele ano, 1983, ainda não havia um posto de gasolina e que para abastecer o carro, tinha que viajar 25 km, até a cidade de Boqueirão. Como resultado, seis meses depois, a Petrobrás, instalava um Posto de Combustível através de um comerciante local. 

     

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado