Colunista Alex Xavier



  • As Estrelas

    29/03/2016

    Alma de Lisboa - Fábrica Vista AlegreImagem: Alma de Lisboa - Fábrica Vista Alegre

             Estava a procurar alguma estrela no céu quando chegou um senhor me perguntando como faria para pegar um ônibus para o centro de Braga. Sabia ir com minhas próprias pernas, mas um ônibus? Sério. Não o sabia. Perguntei se ele gostaria de ir a pés. Disse-me que esperaria. Mas antes eu precisava fazer uma transação comercial e ele não parecia com paciência de esperar e em pouco tempo me agradeceu e sumiu na noite sem estrelas.

             Buscar estrelas no inverno é tarefa penosa. Tantas vezes o nevoeiro é tanto que tanto se custa até se ver o céu. O Bom Jesus do Monte mesmo com sua iluminação estava completamente apagado no alto. Nem longas escadarias, nem mesmo monte. Apenas um louco em busca de estrelas.

             Perdido em meus pensamentos vi que seria inútil encontrar algum astro reluzente no céu, mas sabia que no alto, além do tempo embaçado havia todo um Universo de luzes e isso me fazia não desanimar. Certo que sofria há muito uma dor que esquartejava meu peito e a crença de que as estrelas brilhavam nalgum lugar, mesmo que eu não pudesse ver, dava-me ânimo para ficar ali e não me entregar de vez a tristeza. Sabia que havia feito a minha parte e ter consciência disso me confortava nalguns momentos. Mantinha-me ali em pé esperando um outro senhor que também não conhecia. Ele me traria uma imagem de Lisboa que era uma tábua de salvação: a igreja de São Vicente de Fora e o Panteão, entre outras, eram pedaços que não poderia esquecer, estavam marcados no mundo de recordações antigas, bem antes de pisar em terras portuguesas e serviria futuramente para não me esquecer de lembrar das felicidades certas que estão nas pequenas coisas do cotidiano, mesmo que o nevoeiro tente apagar o brilho das estrelas. Elas, incondicionalmente, estarão lá, mesmo que meus olhos tão mortais não possam ver... Mesmo sem ter a imagem de Lisboa concreta e palpável, ela estava na minha mente. Por esse pequeno fato, tão inútil, mantinha-me erguido no meio do tempo e, apesar de encontrado, perdido.

    Nevoeiro no Bom Jesus do Monte, Foto: Alex Xavier

             Sim, tinha deixado Lisboa para trás. Acontece que minhas melhores recordações estavam lá e distante de mim. Eu no Norte, quase extremo, quase já na Galícia, lembrava-me de Lisboa. Até que o dono da imagem chegou. Abriu-me a caixa. Retirou do papel tão bem dobrado, como se fosse novo, a imagem da capital desse imenso país. Sorri, passando a medo meus dedos ali. Tocava e setia a suavidade do desenho sobre uma porcelana. Era como se, ao invés dos meus dedos, com meus pés caminhasse em Alfama. Sim, estava distante daqueles altos e baixos, das ruas que de labirinto me perdi. O homem não entendia meu sorriso. Talvez fosse apenas um vendedor. Mas eu não era apenas um comprador. Eu amava as minhas lembranças e mesmo que não visse, eu sabia, eu sentia, eu... Entendia as estrelas, apesar de todo o nevoeiro, apesar da densidade atmosférica. Sim, elas estavam lá no Alto, assim como as igrejas que tocava com meus dedos estavam em Lisboa.

     

    John Alex Xavier de Sousa

     

    Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (1993), Especialização em História da Cultura pela UFRN (1996), Mestrado em Ciências Sociais pela UFRN (1999) e Doutorado em Educação pela UFPB. Atualmente, fazendo o Pós-Doutorado em Educação, na Universidade do Minho – UMinho (Braga-PT). Foi professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Lecionou no Curso de História, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Atualmente é professor do Departamento de Educação, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus III, Bananeiras. Tem experiência nas áreas de História, Sociologia, Antropologia e Educação.