Colunista Alex Xavier



  • Sonho

    13/02/2016

    Para a mãe da minha mãe

     

                Lembro-me da cena exatamente como se fosse hoje, mas não me lembro de quando aconteceu. Foi em um tempo que existia mais memória que a lembrança da existência da memória ou que um dia ela se dissiparia no escaninho do silêncio. Cheguei na varanda da casa de campo, numa das partes do alpendre que é banhada pela claridade do sol, no entanto a tardinha fica protegida sempre dos mais raios fortes. Minha avó havia passado a tarde toda ali. Não sei exatamente se dormiu ou se a tarde dormiu nela. Sei que ela não parecia mais figura humana desse mundo. Porque dentro da minha avó sempre morou um anjo. Acontece que naquele dia ela não tinha mais a força que em um momento de grande dor em minha alma ela me acolhera com um abraço e com uma lágrima e me protegera como se eu fosse uma criança.

                Naquela tarde, no alpendre, a minha avó já era mais criança do que eu. A memória brincava de sumir da mente dela e ela ficava completamente desmemoriada. Sinto agora que os médicos desistiram cedo dela e além dos parentes, apenas Deus se preocupava com suas lembranças e seus momentos de esquecimento.

                Quando cheguei ali era ainda cedo para ser noite, porém não era mais dia. A escuridão da hora tardia já havia chegado. Minha avó sentada na rede olhava para frente, mas não olhava para nada. Com uma mão descansada na outra e ambas sobre as pernas. Em que ela pensava? Ela era tão alva naquele momento que a luz parecia sair dela. Era tão frágil e criança. Tão pura que era um anjo, um próprio anjo do Senhor. Eu olhava com o peito traspassado. Coração partido ao meio. Ela nunca mais me reconheceria outra vez. E eu tanto a reconhecia.

                Seu olhar perdido. Mais perdido que uma estátua grega. Nada e tudo me dizia. Na minha mente passava como se um filme de tantas tardes de domingos inimagináveis, verdadeiramente maravilhosas. Mas na mente dela? Na mente dela o que se passava? Tão parada, imóvel. Tão silenciosa, incrível! Lembro-me de um brilho no seu olho, que via da outra rede onde me encontrava. Eu queria acreditar que era de alguma estrela que vagava no céu. O céu estava por demais estrelado. Aquele brilho parecia ser a única chama viva no corpo alvo. Tão parada que parecia morta. E a lágrima que ela chorou no passado eu engoli, acreditando que aquele brilho que refletia no seu olhar pudesse ser ela, mas por onde aquele anjo andaria? 

     

    John Alex Xavier de Sousa

     

    Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (1993), Especialização em História da Cultura pela UFRN (1996), Mestrado em Ciências Sociais pela UFRN (1999) e Doutorado em Educação pela UFPB. Atualmente, fazendo o Pós-Doutorado em Educação, na Universidade do Minho – UMinho (Braga-PT). Foi professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Lecionou no Curso de História, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Atualmente é professor do Departamento de Educação, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus III, Bananeiras. Tem experiência nas áreas de História, Sociologia, Antropologia e Educação.