Colunista Alex Xavier



  • SONHO DE ÍCARO

    15/10/2015

        Para Fábio Ribeiro que não me pediu uma crônica.

     

                Quando era uma criança, os antigos diziam que aquela mancha nas crateras da lua eram São Jorge montado no seu cavalo e ainda agredindo um dragão. Preciso confessar com muita convicção que nunca consegui ver a imagem do Santo Cavaleiro e também nunca acreditei que o fosse. Por mais que permaneça uma criança dentro de mim, sempre houve um adulto na criança que eu era. Não me lembro de ter acreditado em Papai Noel, coelhos da Páscoa... Juro que tentei acreditar, mas não funcionava. Nunca funcionou. Confesso até que gostaria de ter acreditado em fadas e duendes... Até mesmo porque acreditar nos outros traz uma decepção após outra. Mas prefiro continuar acreditando nos outros. As luzes da cidade apagaram as lendas... Quem pode sobreviver sob tais luzes? Sim. Sempre tive asas, mas guardei meus pés no chão! Daí mantenho o meu equilíbrio.

                Acreditando em coisas como o amor de um pai pelo filho, por exemplo, no mês de agosto desse ano vi muitas coisas que dariam um livro ou mais. Porém uma delas fica ecoando na memória. Numa das minhas caminhadas diárias pelo Anfiteatro Flávio vi um pai caminhando de mãos dadas com sua filha, em direção ao mirante que dá para o monumento. Ele disse: “Veja filha!” Apontando para o Coliseu: “Ali está o monumento mais importante do mundo!” Isso me fez voltar no tempo, quando o meu pai me levou, junto com meus irmãos para conhecer o Machadão, onde hoje é o Arena das Dunas, em Natal. Lembro que para uma criança, aquele gramado verde, a construção de concreto tinha um tamanho ainda maior... E desde cedo criei vínculos, entre outros monumentos, com o Machadão que naquela altura se chamava Castelão. Meu pai também me levou a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Ponta Negra... E não sei se ele disse da forma que o italiano disse para sua filha. No entanto, aprendi cedo a respeitar essas obras, a criar vínculos afetivos que alimentam ainda hoje minha memória, a minha vida.

                Voltando a afirmação do pai italiano. Ele não disse que era o monumento mais importante de Roma ou da Itália. Ele falou que era o monumento mais importante do mundo. Queria poder traduzir o semblante da menina ao ver “o monumento mais importante do mundo”. A empolgação. A alegria. “A mentira” que o pai contara era uma verdade maior que muitas verdades, isso se pode haver uma verdade maior que outra. Aquela menina saberá respeitar seu patrimônio e, muito provavelmente, outros pelo mundo. Apesar de ser detectado cerca de três mil fissuras, por isso também está sendo restaurado, o amor incondicional dos romanos mantém uma das sete maravilhas do mundo moderno em pé. Acredito nessa mágica! O amor faz com que o tempo e as fissuras se diluam, o amor dos romanos mantém erguido o antigo monumento que continua imponente!

                Acredito nessas coisas que a gente não pode tocar mas existem mais forte que outras. Os elos subjetivos que construímos cotidianamente com o ambiente a nossa volta, com o patrimônio cultural são exemplos do que escrevo, do que falo em minhas aulas.

                Fiquei desolado quando vi demolirem o Machadão. Quando desci a ladeira da Avenida Prudente de Morais que leva à Candelária e vi aquele imenso vazio. Queria espernear, gritar... Mas todo o som se fez silêncio em mim. Engoli minha dor e não consegui visibilizar mais aquela obra da arquitetura moderna, senão quando fechava meus olhos. Apenas fechando os meus olhos consigo ver uma cidade que já não existe mais.

                O sonho da Copa do Mundo subiu a cabeça dos grandes empresários, enebriou a cabeça dos brasileiros e se esqueceram que existem limites ao se falar de desenvolvimento.

                Passei por Açu (RN), cheguei em Bananeiras e Solânea, ambas na Paraíba e vejo construções antigas caindo todos os dias, quando não vêm notícias pelos meios de comunicação de massa, como aconteceu com o antigo hospital Municipal da última cidade citada. Vi cair edificações em todos esses lugares, descasos ecológicos... Na realidade parece até moda demolir construções, destruir montes e mudar os cursos dos rios. Mas em todo mundo? Enquanto na Alemanha o Rio Reno voltou a respirar, a ter vida, e o vale do Rio Rhur encontrou formas mais ecológicas de produção, infelizmente não é o que se repete pelo mundo afora, nem na minha casa (meu país).

                Então eu fico pensando, enquanto caminho nas ruas de Roma, cheias das folhas do outono perdidas no tempo: onde se esconderam São Jorge para sempre pregado na Lua, Papai Noel que deveria aparecer no Natal, fadas e duendes que se apagaram na luz de Thomas Alva Edison? É fácil inventar um Cristo e nele depositar todos os problemas do mundo e se esquecer da nossa responsabilidade diante do mundo a nossa volta. O que você fez hoje para o mundo ser um lugar melhor de se viver? Apenas criticou um político ou outro? Quando Ícaro conseguiu voar, foi tão grande o seu prazer, ao sair da prisão do labirinto, enfim ter seu desejo realizado, que ele não se conteve e voou ainda mais alto. Há um ponto final na história: ele esqueceu que suas asas eram de cera!  

    (Foto do Hospital de Solânea. Crédito: Diário do Brejo)

    John Alex Xavier de Sousa

     

    Licenciatura e Bacharelado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN (1993), Especialização em História da Cultura pela UFRN (1996), Mestrado em Ciências Sociais pela UFRN (1999) e Doutorado em Educação pela UFPB. Atualmente, fazendo o Pós-Doutorado em Educação, na Universidade do Minho – UMinho (Braga-PT). Foi professor substituto na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Lecionou no Curso de História, da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Atualmente é professor do Departamento de Educação, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, Campus III, Bananeiras. Tem experiência nas áreas de História, Sociologia, Antropologia e Educação.