Colunista Ednaldo Santos



  • É de todos, mas não é seu

    15/10/2015

    Vivemos em sociedade para garantir a satisfação de interesses individuais e coletivos através da colaboração nas atividades essenciais à vida social, como o trabalho e a educação. Nessa conciliação de interesses uma pessoa é tão importante quanto o grupo ao qual pertence. Neste sentido, há situações em que reclamamos alguns direitos que, na prática, não poderiam ser atendidos para não prejudicar o interesse de todos. Isso sempre faz sentido? É justo?

    Para exemplificar, considere a atual proibição de uma pessoa ser dona de um terreno sem projetos que materializem a função social da propriedade e pertencente a uma universidade federal, portanto bem imóvel público. Seria justo que o cidadão comum, sem casa ou que ali residisse há décadas, tivesse reconhecido o direito de ser dono do imóvel? À primeira vista, sim. Estamos falando da (im)possibilidade de usucapião de bem público imóvel, cujo sentido jurídico está na cumulação dos princípios da dignidade humana, do direito social à moradia e da função social da propriedade.

    Diz a Constituição Federal, nos artigos 183, §3º, e 191, §único, que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”, e o Código Civil acompanha a determinação constitucional. Bem antes disso, o Supremo Tribunal Federal havia estabelecido, por meio da Súmula 340 que “desde a vigência do código civil [de 1016], os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

    A vedação é firme. Entretanto, há quem se mostre contrário. Farias e Rosenvald explicam: “A nosso vio, a absoluta impossibilidade de usucapião sobre bens públicos é equivocada, por ofensa ao princípio constitucional da função social da posse e, em última instância, ao próprio princípio da proporcionalidade.” Flávio Tartuce segue esse posicionamento para defender a flexibilização dos dispositivos constitucionais. Como pode o bem, sendo de todos, também não ser de um (ao menos em parte)?

    O ordenamento jurídico brasileiro é, ao menos na teoria, um sistema aberto de regras e princípios. A proibição de usucapir bem público é fruto de uma época em que a legislação brasileira estava bem menos envolvida com a efetividade dos princípios e garantias fundamentais e direitos humanos, pois o Supremo Tribunal Federal sumulou a vedação no início da década de sessenta. Com as edições posteriores à Constituição de 1946, a legislação passou a ser mais flexível e a conferir maior efetividade ao princípio da isonomia de forma a procurar atender o interesse geral, mas sem prejudicar as peculiaridades do casoin concretu. Nunca se falou tanto na problemática da efetividade da proteção dos direitos fundamentais.

    É próprio do dinamismo jurídico a constante interpretação e contextualização das leis, de modo a sanar suas inevitáveis lacunas e frequentes incoerências, próprias de um sistema legislativo, ainda deficiente. Lembre-se que a lei e o direito não são fins em si mesmos, são ferramentas.

    A vedação em estudo entra em flagrante conflito com o espírito da própria Constituição Federal, tida como flexível e norteada por normas de textura aberta. De sorte que, tais retrocessos, estão fadados a modificar-se com o tempo, pois a mutação constitucional é um fenômeno que obedece ao pensar e repensar de uma sociedade, em determinado espaço temporal.

    Parece que impossibilidade de usucapir bem imóvel público vigora em decorrência do comodismo legislativo. Quando, por longos anos, um cidadão reside com sua família e zela por uma terra, que não encontra nenhuma utilidade superior planejada pelo Estado, e invoca a prestação jurisdicional (ou seja, entra com um processo) para ver reconhecido tal bem como de sua propriedade, a decisão favorável do juiz é de inteira justiça. 

    Ednaldo dos Santos, crescido em Solânea-PB, natural de Alagoa Grande-PB, é graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba. Gamado pelo Direito, especialmente Direito Civil, trabalhou voluntariamente no Ministério Público da Paraíba e atuou como Estagiário e Conciliador no Tribunal de Justiça da Paraíba. e-mail: ednaldojmo@hotmail.com

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