Peste bubônica ou ‘Peste Negra’ ameaça voltar à Paraíba

03/09/2018

Além do risco da volta de doenças como sarampo e pólio, doenças que há décadas haviam sido erradicadas, mas estão voltando com força total, o Ministério da Saúde (MS), através da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) na Paraíba, alerta para a possibilidade da volta da peste bubônica no Estado. Conhecida também como “Peste Negra” ou “Febre do Rato”, a patologia é causada pela bactéria Yersinia pestis, hospedeira de roedores silvestres. Na região, o grande perigo é que essa doença volte através da infestação de ratos na zona rural ou da ingestão de preás cozidos, iguaria apreciada por caçadores.

De acordo com registros do Ministério Nacional da Saúde, a doença surgiu pela primeira vez no País em 1914, com focos nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Aqui no Estado, o último surto foi registrado em 1987, quando a doença ressurgiu no município de Casserengue, Curimataú paraibano. O gerente da Campanha de Peste Bubônica na Paraíba, José Onildo Gonçalves de Sousa, lembra que na década de 80 a doença acometeu uma família que se alimentou de preás contaminados. 
 
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Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) dão conta de cerca de 2 mil casos por ano de peste bubônica no mundo, por isso a prevenção ainda é a grande arma contra a doença. Onildo afirma que a capacitação para esclarecimento dos sintomas, modos de transmissão e formas de prevenção é realizada em 47 municípios do Estado que, segundo ele, são “municípios positivos para a peste”, disse. “Chamamos assim os municípios que em 1987 tiveram algum, ou muitos casos de pessoas ou animais infectados pela bactéria”, completou o gerente.

O médico infectologista Jaime Araújo concorda que se a população não se adequar às medidas preventivas, a doença poderá voltar a se propagar. “Devemos ter cuidado para não voltarmos a uma doença bacteriana evitável, tudo por causa de sujeira e falta de prevenção, que consiste exatamente em higiene adequada e evitar a proliferação das pulgas. Ou seja, não podemos deixar lixo acumulado, dejetos, restos de material de construção, entre outras sujeiras”, explica o especialista.

A doença, peste, possui três estágios – a bubônica, a septicêmica e a pneumônica. O infectologista afirma que os sintomas variam e que a peste bubônica é geralmente tratada com antibióticos, a exemplo do Sulfametoxazol. “A maioria dos casos provoca inchaço dos gânglios linfáticos, principalmente na virilha, na axila ou no pescoço. Eles podem ser sensíveis e quentes. Outros sintomas que podem ocorrer são febre, calafrios, dor de cabeça, fadiga e dores musculares”, disse.

De acordo com Onildo e sua experiência de combate à doença no último surto ocorrido na Paraíba, duas das formas da peste não possuem cura. “A septicêmica e a pneumônica são fatais, enquanto a primeira pode ser tratada se descoberta no período de incubação, que dura até 7 dias. Caso a pessoa contaminada esteja com a imunidade baixa, a doença pode ir direto para os estágios finais. De qualquer forma, todos esses estágios são muito tristes e doloridos para o paciente. Em 1987 ajudei, junto a outros profissionais da antiga Sucam, a salvar a vida de muitos paraibanos já acometidos pela peste”, declarou Onildo.

Alerta. Nos municípios paraibanos onde anteriormente foi registrado qualquer indício da peste bubônica, atualmente é realizada o que os antigos profissionais da Sucam, órgão que resultou da fusão do Departamento Nacional de Endemias Rurais (DENERu), da Campanha de Erradicação da Malária (CEM) e da Campanha de Erradicação da Varíola (CEV), chamam de busca ativa.

“Em 1987 a Sucam travou uma verdadeira guerra contra o surto de peste no Estado. Eram aproximadamente dois mil homens em campo, diagnosticando e tratando a doença. A Sucam deixou de existir em 1990. Agora essa responsabilidade de conscientização e fiscalização é dos municípios, mas poucos realmente se preocupam com isso”, disse o gerente da Campanha Contra a Peste no Estado.

Onildo alerta para o fato da peste bubônica ser uma doença ainda pouco difundida. “Essa doença é rural, atinge o agricultor, o homem do campo. Por isso, diferentemente da dengue, não vemos campanhas televisivas ou a mídia preocupada com o problema. Fazemos um trabalho minucioso e me preocupo muito, porque em época de surto a doença se alastra, inclusive na idade média dizimou metade da população da Europa”.

O último caso humano da peste bubônica registrado no Brasil foi em 2005, no município de Pedra Branca, Ceará. No entanto, não é difícil encontrar ratos e outros roedores contaminados pela bactéria.

Transmissão

- Picada de pulgas que previamente se alimentaram do sangue de animais infectados, como camundongos, ratos, preás, coelhos, esquilos, entre outros tipos de roedores silvestres;

- Contato direto com uma pessoa ou animal infectado ou até pela ingestão desse animal.

Sintomas

- Aumento de linfonodos, que deixam a pele enegrecida nas axilas, virilhas ou pescoço;

- Febre alta;

- Dor de cabeça;

- Intolerância à luz;

- Cansaço;

- Tremores pelo corpo;

- Aumento da frequência cardíaca.

Captura proibida

O diagnóstico da peste bubônica é feito através da análise microscópica do conteúdo dos gânglios linfáticos após a sua coleta. No entanto, até o ano 2000, agentes de saúde capturavam roedores para identificar a presença de pulgas e constatar se estas estavam ou não contaminadas. Essa prática, segundo Onildo Gonçalves, foi proibida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

“Tínhamos uma equipe de busca ativa, outra de sorologia e uma última para captura de roedores. O Ibama entendeu que as cobras estavam invadindo as residências porque não havia roedores para alimentá-las. Mas a captura que fazíamos não era seletiva. Agora, com a proibição, só descobrimos a doença em estágios avançados, quando ela acomete algum humano”, disse.

População ainda está desinformada

Na zona rural de Gavo Bravo, um dos municípios onde a Funasa realiza o trabalho de busca ativa de pessoas acometidas pela peste bubônica, os moradores temem que com a aposentadoria do agente de saúde pública, Luciano Ferreira, a doença caia no esquecimento e volte a fazer vítimas. “É perigoso porque o povo se esquece da doença. Eu lembro que em 87 era uma coisa triste. A febre do rato provocava muita dor, já vi caba pedir pra morrer porque não aguentava mais”, lembrou o aposentado Roberto Barbosa, de 80 anos, morador do sítio Picadas.

Luciano conta que só no sítio Picadas são 75 famílias para visitar todos os anos. Em cada residência ele faz duas visitas anuais, esclarecendo os agricultores sobre sintomas e prevenção da doença. “Eles precisam deixar o quintal limpo, não podem acumular sacos de colheita por muito tempo no chão da casa, não devem permitir que animais domésticos durmam dentro de casa, não devem comer roedores silvestres como preás e, o mais importante, devem estar atentos a qualquer sintoma da doença ou surgimento de ratos mortos nas imediações”, afirmou o agente.

A estudante de Enfermagem Jaíne Lima, 18 anos, mora com o marido também no Sítio Picadas. Ela disse que recentemente encontrou um rato morto próximo à casa dela, mas que não deu importância porque acreditou que algum vizinho havia colocado veneno. “Há dois anos eu morava em Pedra D´água, outro sítio da zona rural de Gado Bravo. Sempre escutei os mais velhos falarem sobre a peste, e também pesquisava a respeito. Não é porque a gente é do sítio que não sabe das coisas, pelo contrário, o perigo é a partir de agora, a nova geração que não lembra o que foi a doença e nem tem ideia de que ela pode voltar”, esclareceu Jaíne.

Na casa de Maria Rosa Araújo, 50 anos, onde residem sete pessoas, ela fez o que chama de “casinha de taipa”, na verdade, outro cômodo feito de barro, onde ela instalou um fogão à lenha, local propício para o surgimento não só de ratos, como também de insetos como o barbeiro. “Eu sei que é arriscado, mas eu tomo cuidado. Minha mãe dizia que se criasse qualquer caroço atrás da orelha ou na virilha era sinal da febre do rato. Ninguém aqui come preá”, disse.

Por Fernanda Figueirêdo - Correio da Paraíba



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