Chikungunya poderá ter nova epidemia nos próximos dois anos

11/06/2018
Foto: Betina Carcuchinski/PMPA (Fotos Públicas)
Foto: Betina Carcuchinski/PMPA (Fotos Públicas)
Um importante surto de chikungunya poderá ocorrer no Brasil ao longo dos próximos dois anos, com as áreas mais afetadas sendo o Nordeste e a faixa litorânea na região Sudeste. A previsão foi feita por Maurício Lacerda Nogueira, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, e corroborada por estudo preditivo realizado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo em parceria com o Instituto Butantan.

O especialista abordou as arboviroses, as doenças transmitidas por mosquitos. Quatro vírus veiculados pelo Aedes aegypti – dengue, chikungunya, Zika e febre amarela – propagaram-se pela população brasileira em anos recentes e produziram um pico epidêmico entre 2015 e 2017. 
Acompanhe o Bananeiras Online também pelo twitterfacebookinstagram e youtube

Os estudos mostram que o máximo de ocorrência da chikungunya ainda está por ocorrer. Essa doença é grave não apenas pelo episódio agudo em si, mas também pelo fato de poder deixar, como sequela, uma artrite crônica, que eventualmente incapacita a pessoa a exercer sua atividade profissional.

Humanos trouxeram

Nogueira, professor na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp), ressaltou que o Zika e a chikungunya não entraram no país trazidos pelos próprios mosquitos, mas por humanos.

“Hoje, vivemos uma situação em que todos os lugares do mundo se tornaram muito próximos. Saímos de São Paulo e, em menos de 24 horas, podemos estar no leste da Ásia. Milhões de pessoas estão indo e vindo a todo momento. E, eventualmente, algumas delas chegam doentes. No caso, chegaram trazendo vírus que encontram uma situação extraordinária para se propagar: uma população totalmente naive [“ingênua”] e um país infestado de mosquitos. Então, vivemos com o Zika a ‘tempestade perfeita’. E vamos viver ainda a ‘tempestade perfeita’ de chikungunya. Podemos mitigar, mas não há nada que possamos fazer para evitar”, disse.

Impossível diferenciar

O pesquisador lembrou que é impossível diferenciar clinicamente a dengue, o Zika e a chikungunya, pois os sintomas são muito parecidos: “São, todas elas, doenças febris agudas, parecidas com a gripe. As pessoas apresentam exantemas [vermelhidão na pele], cefaleia [dor de cabeça], mialgia [dor muscular]. Só o diagnóstico molecular permite diferenciar um caso do outro. Mas esse exame é caro. Então, temos que tratar todos os pacientes como se fosse dengue, porque dengue mata, e mata rápido – não é o caso do Zika e da chikungunya”, disse.

Maurício Lacerda Nogueira fez as colocações durante o programa TV Ciência Aberta, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Também estavam no debate os pesquisadores Margareth Capurro e Jayme Augusto de Souza-Neto.

Tudo dentro do script

“Convivemos há muitos anos com o Aedes aegypti e a dengue nas cidades. O que mudou nos anos recentes foi que entraram dois vírus novos: o Zika e a chikungunya. E, no país, nenhum humano havia tido contato anteriormente com esses vírus. A situação era favorável para que houvesse uma explosão de ocorrências da doença e, em seguida, uma diminuição – que foi exatamente o que aconteceu”, disse Capurro, professora no Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenadora do Projeto Aedes Transgênico (PAT).

No pico epidêmico de 2015 a 2017, a dengue foi a enfermidade que apresentou maior prevalência, com 2 milhões e 800 mil casos prováveis – 64% dos casos notificados em todo o continente americano. Seguiram-se a chikungunya (cerca de 292 mil casos) e a zika, com (cerca de 204 mil casos).

A febre amarela, que já havia sido considerada uma doença extinta, voltou a incidir, engendrando mais de 3.190 casos, notificados entre dezembro de 2016 e maio de 2017. No conjunto do país, a região Sudeste foi a mais atingida, com destaque para o Estado de São Paulo.

O surgimento ou ressurgimento dessas e de outras doenças transmitidas por mosquitos podem estar relacionados com a mudança climática global. Mas também são condicionados por variáveis sociais, como o tipo de instalação sanitária, a disponibilidade ou não de água canalizada e o destino do lixo. Estima-se que, no Brasil, até 75 milhões de pessoas vivam em áreas de alto risco.

Colonização e extinção

Ao contrário de outros mosquitos aparentados, o Aedes aegypti apresenta, no dorso do tronco, um desenho em forma de lira. O verdadeiro vetor das arboviroses é a fêmea, que se alimenta de sangue, enquanto o macho se alimenta apenas com néctar de plantas. Uma característica-chave que possibilita diferenciar os dois sexos é a antena. A da fêmea é menos plumosa do que a do macho.

“Sabemos que o Aedes aegypti chegou ao Brasil na época da colonização, a bordo dos navios negreiros”, disse Capurro. “Na campanha de erradicação de malária e febre amarela, ele foi considerado extinto no país. Mas teve, posteriormente, uma reaparição ou uma segunda introdução. E sua presença tornou-se muito mais impactante devido às mudanças ocorridas no mundo, com a circulação muito maior de pessoas. O Aedes aegypti é muito adaptado ao homem. Principalmente, ele adora colocar seus ovos sobre recipientes de matéria plástica. Isso faz com que a explosão desses mosquitos seja hoje muito maior do que nos anos 1950, quando não havia tanta presença de plásticos.”

A pesquisadora acrescentou que, hoje, o mosquito pode até vir por avião, mas a quantidade que entra por navio é muito maior. “No país de origem, os mosquitos põem seus ovos nas ranhuras dos contêineres dos navios. Os ovos eclodem em alto-mar, os mosquitos que nascem picam os marinheiros e põem novos ovos nos contêineres. Quando os contêineres são desembarcados, basta uma chuva para que os mosquitos possam invadir o novo território”, disse.

Controlar, a grande missão

Vale destacar que a picada do Aedes aegypti é quase imperceptível – muito diferente da picada muito alergênica dos mosquitos do gênero Culex, que ocorrem em todo o território brasileiro e atacam à noite.

Controlar o Aedes aegypti é um desafio enorme, como ressaltou Souza-Neto, professor no Departamento de Bioprocessos e Biotecnologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu. “São necessárias políticas públicas, engajamento da população e adoção de várias estratégias de combate: inseticidas, introdução de mosquitos transgênicos. Além disso, não basta um combate local. Porque o mosquito que é expulso de um local vai para outro, e depois volta. Diversos estudos mostram que o mesmo mosquito pode transmitir mais de um vírus na mesma picada.”

Entre as várias estratégias, é fundamental usar o próprio mosquito para combater o mosquito, como enfatizou Capurro.

“O procedimento consiste em produzir machos com espermatozoides defeituosos e liberar esses machos no ambiente. Ele vão procurar as fêmeas onde elas estiverem. E, em decorrência, as fêmeas botarão ovos inviáveis. Isso levará a uma diminuição da população de mosquitos. Conseguimos produzir, no meu laboratório, o primeiro mosquito transgênico com espermatozóides defeituosos. Nosso objetivo é tornar esse mosquito parte de um controle integrado, junto com outras estratégias de controle, inclusive a vacina contra a dengue”, disse.

“O Zika está em latência”

As colocações dos pesquisadores Maurício Lacerda Nogueira, Margareth Capurro e Jayme Augusto de Souza-Meto corroboram o alerta feito pelo Correio, na edição de 20 de maio último, em que a médica e pesquisadora paraibana Adriana Melo, chamou atenção para novo surto que deve ocorrer nos próximos anos. Ela foi a primeira a associar a ação do vírus Zika – também transmitido pelo Aedes Aegypti – ao surto de microcefalia que se espalhou, sobretudo no Nordeste há três anos.

Na entrevista ao Correio, Adriana Melo afirmou que existem trabalhos científicos sugerindo que o vírus volte em 20 anos – “talvez antes, ainda é cedo para afirmar”. Por isso, segundo ele, o melhor que se pode fazer é manter o combate ao mosquito, “até que tenhamos certeza ou um tratamento”, enfatiza.

Dores que não passam

Quase dois anos depois do diagnóstico de chikungunya, a dona de casa Maria Queiroz Dantas, 52, ainda sente fortes dores decorrentes da doença. Há dias em que são mais intensas e, para fazer as tarefas domésticas como varrer a casa, lavar louça e cozinhar, precisa da ajuda de outras pessoas.

Ela relatou que o problema é maior nas articulações mesmo com o uso frequente de analgésicos. “Sinto muita dor nas mãos. Tem dia que consigo fazer algumas coisas em casa, mas em outros não dá porque além das dores, há o inchaço”, lamentou.

A saúde da dona de casa ficou ainda mais fragilizada com as sequelas da doença. “Eu já tinha problema nos ossos e piorei muito depois da chikungunya. As mãos passaram a ficar dormentes e há dias em que não sinto nem o que estou pegando”, lamentou.

A artrite crônica é a principal sequela da chikungunya e pode até incapacitar o paciente impedindo que desenvolva uma atividade profissional. “Antes, eu trabalhava em casa de família. Já havia parado por conta do meu problema nos ossos. Agora seria impossível. Tento evitar os remédios porque sei que acabam com o estômago, mas a dor é muito grande e sou obrigada a me medicar para suportar”, completou.

Correio da Paraíba com Agência Fapesp



Outras Not?cias