Colunista Antônio Gomes



  • I - Preconceito racial existe - no Brasil é disfarçado

    15/10/2017

    Por ser negro e em face do preconceito racial disfarçado de muitos brasileiros, já sofri passei por algumas situações vexatórias, por mais de uma vez e, numa delas, tive que tomar medidas drásticas e porque não dizer arbitrária.

    PRETO E CABELO RUIM – USE PERUCA

    SANTA RITA – Abril de 1983 – Aprovado no concurso de Juiz de Direito e nomeado para a Comarca de Cabaceiras, encontrava-se sentado, descontraidamente em frente a Receita Federal, que na época funcionava na Praça Getúlio Vargas, vizinha a casa do pai de Egídio Madruga e era dirigida por José Serrão, cunhado de Oildo Soares. Encontrava-me num bate papo, com Elson Amorim, Mário Castelinho entre outros, todos me felicitando pela nomeação, quando se aproximou do grupo o Oficial de Justiça João Quirino, o qual passou a participar das conversas e chacotas dos presentes. Os que conheciam João Quirino, sabiam ser ele um gozador, que sempre tinha uma saída jocosa para todas as conversas e piadas, mas, tinha um lado, que somente naquele dia descobri. Era racista e preconceituoso.

    Desfeito o grupo de pessoas, ficamos apenas eu e ele, conversando, quando inesperadamente ele, olhando-me, disse:

    - Doutor Antonio, o senhor vai assumir na semana que vem o cargo de Juiz não é?

    Respondi-lhe que sim e aí, ouvi dele a frase que não esperava:

    - Mas o senhor vai comprar uma peruca para usar lá?

    Surpreso lhe indaguei porque deveria agir dessa maneira e ele respondeu:

    - O senhor e negro e tem o cabelo ruim e por isso, acho que não devia se apresentar na comarca assim.

    Em resposta lhe disse que nossa conversa e amizade se encerrava ali e que daquela hora em diante não via-o mais com o mesmo conceito que tinha perante mim, pois, nunca esperei que ele fosse racista e preconceituoso àquele ponto e que tinha feito concurso para Juiz e não para mudança de cor ou caráter, pois, senta orgulho da minha cor negra e doravante, exigiria dele o respeito que me era devido, não como juiz, mas acima de tudo, como cidadão.

    No dia seguinte, depois da audiência, na presença do referido Oficial de Justiça, contei o ocorrido a Dr. José Ataíde, então Juiz em Santa Rita e demais pessoas como Advogados, outros Oficiais e Justiça e Servidores do Judiciário.

    O que mais machucou-me foi o ato ter partido de uma pessoa que eu tinha muita consideração e amizade e principalmente, porque fora a pessoa que mais lutara para o ingresso daquele senhor na classe dos Oficiais de Justiça daquela Comarca.

    Sabia eu que ele agia assim, por ser de cor clara, mas não era branco na essência, ou seja, apenas um pouco mais claro do que eu, porém, de pouca cultura e tinha a profissão de motorista, entretanto, sempre o tratei com igualdade de condições, mesmo, tendo condições culturais, sociais e financeiras, superiores a ele, nunca o vi como um ser inferior.

    Mas, esse fato serviu-me de incentivo à vida e a entender melhor as ocasiões e pessoas na sociedade em que vivemos.

    Na verdade, os preconceitos velados que observamos em nosso meio decorrem de uma questão socioeconômica que caracteriza a nossa história, em que a exclusão social fica marcada pela condição étnica ou pela origem regional das pessoas.

    É a convicção de que existe uma relação entre as características físicas hereditárias, como a cor da pele, e determinados traços de caráter e inteligência ou manifestações culturais

    Guardadas as proporções, o Brasil é tão racista quanto os Estados Unidos da América, havendo a penas a diferença de que lá o racismo é público e aqui, é disfarçado.

    UM ATO DE ARBITRIO

    PIRPIRITUBA – Janeiro de 1986. Inauguração do prédio do fórum “Juiz Gilson Guedes Cavalcanti”, (Hoje, Câmara Municipal) e entrega de título de cidadão Pirpiritubense ao Governador do Estado Wilson Braga, ao Presidente do Tribunal de Justiça, ao Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, ao Corregedor Geral da Justiça, ao Comandante do IV BPM, e aos Juízes de Direito José Hermano Guerra, e Antonio Gomes de Oliveira, ex e atual titular da Comarca, respectivamente, entre outras autoridades.

    Palanque armado na Praça em Frente à Igreja Matriz. O presidente do Tribunal e o Corregedor de então, se fizeram representar pelos magistrados José Hermano Guerra e Jorge Ribeiro Nóbrega, à época, juízes corregedores auxiliares.

    Iniciada a solenidade de entrega das comendas, foram chamadas as autoridades e, como me encontrava no fórum, fui dos últimos a chegar ao local.

    Ao aproximar-me do palanque, um cidadão muito forte (hoje, chamam “Bombados”), abriu os braços no acesso e disse: Aqui só sobe autoridade.

    Em resposta, disse a ele que ali estava porque fora convocado para receber o título de cidadão e que era Juiz da Comarca.

    Ele olhou para mim, deu uma risada e disse: Juiz é?

    E eu sou o Presidente do Tribunal.

    Ponderei que não estava ali para brincadeira e ele disse que quem não brincava em serviço era ele.

    E ele mim repetiu que o Palanque estava reservado as autoridades.

    Então, resolvi também dar uma risada e disse ao brutamonte que ele estava preso.

    E de imediato, chamei o Comandante do Destacamento local, o sargento Djalma e ordenei que recolhesse o homem ao xadrez.

    Aí ele caiu na real e se dizendo segurança do governador, pedia desculpas alegando que não me conhecia e que fizera apenas uma brincadeira.

    Fiz saber a ele que o estava prendendo pela maneira como fui por ele tratado e porque ele dissera que era Presidente do Tribunal de Justiça.

    O delegado cumpriu a ordem de prisão e, na hora do almoço na churrascaria Vale Verde, um emissário do prefeito, o hoje falecido Dr Manuel Gomes, veio pedir para soltar o homem, porque ele era segurança do governador.

    Negando o pedido respondi:

    O governador tem mais de um segurança e a ausência de um dele, não lhe faria grande falta.

    Naquela ocasião entendi que o ato de arbítrio que estava praticando, era necessário, para manter a minha autoridade e impor um basta a atitude daquele segurança, que estava agindo preconceituosamente, por ser eu um homem de cor.

     

    Antônio Gomes de Oliveira – Juiz de Direito aposentado